sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Pelos corredores da vida no novo ano...


(Jornal de Caçapava, 12 de janeiro de 2018.)


Colocar-se no lugar do outro é um dos exercícios mais difíceis que existem, pois nos amamos muito e pensar ou agir de forma a considerar mais o outro que a nós mesmos não é tarefa “para os fracos”, como dizem os mais jovens.
Recentemente, vivi uma experiência no mínimo desafiadora para os olhos de observadora que preciso ter. Passei por uma cirurgia e fiquei em repouso cuidadoso. Cansada de ficar em casa depois de semanas fui ao supermercado, num domingo de manhã, em tempo tranquilo e sem tanta gente. Precisei usar aquele carrinho que fica à disposição para portadores de necessidades especiais, inclusive as temporárias.
Precisei de um pequeno curso de cinco minutos para pilotar a máquina. Iniciei a aventura de circular pelos corredores apertados, e lutar por espaço com carrinhos abarrotados de compras e bolsas de mulheres voando pelos parcos ares, sem constatar a menor preocupação manifesta se alguém estava necessitando transitar com um pouco mais de dificuldade.
As pessoas passavam, empurravam carrinhos sem um passo atrás   para que eu pudesse continuar. Durante uma hora dentro do supermercado, foram quatro pessoas apenas que me permitiram passagem, ou que me olharam e sorriram gentilmente. Quatro pessoas em uma hora dentre centenas de pessoas andando para lá e para cá apressadas, de cara fechada, num domingo de manhã.
No começo, fiquei horrorizada com a indiferença, e até mesmo falta de educação, pois uma pessoa passou na minha frente forçando-me a brecar de forma brusca e outra empurrou o carrinho com tamanha agressividade que meu marido ficou estupefato. Resolvi insistir, mas com foco diferente. Deixei a compra para ele e minha filha e fiquei observando de outro ponto de vista as pessoas. Que experiência!
Um corre-corre quase num balé, pois as pessoas não agem de forma tão diferente afinal. Caras fechadas, sorrisos escassos me intrigaram. Como não sorrir num domingo de manhã? Como não sorrir podendo comprar alimentos nesse Brasil que ainda figura entre países com dantesca desigualdade social? Como não sorrir estando ao lado dos familiares? Como não sorrir, um tantinho que seja, se vivos estamos? Mas as pessoas têm o direito de não sorrir, eu que não consigo. Curioso demais pensar que tantas pessoas passam umas pelas outras sem saberem-se, talvez sem nunca mais se esbarrarem.
Foi impossível não tentar imaginar o que pensavam, de onde vinham, para quem voltariam, sobre o que as alimentariam... Foi impossível não refletir sobre as batalhas diárias de quem precisa de atenção, de recursos para que possam, também, ter o direito de ir e vir e realizar suas atividades como iguais. Temos tanto para nos educar ainda.
Então, risadas! Duas crianças pequenas brincavam correndo pelos corredores rindo. Passaram como foguetinhos na minha frente, riam muito, sorriram para mim, fazendo arte, e eu sorri também. Há salvação, enquanto crianças puderem ser crianças.
Para o novo ano, desejo que muitas crianças façam parte da nossa vida, que os corredores não sejam estreitos e que encontremos muito mais que quatro pessoas gentis e sorridentes em nossa vida esperançosa.


Sônia Gabriel

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