domingo, 21 de dezembro de 2008

Coluna Crônicas Jornal Valeparaibano: Aceitar o Outro



Aceitar o outro


(Publicado no Jornal Valeparaibano em 20/04/2005)



Já parou para pensar se você realmente aceita o outro? Não estou falando do outro seu parente, seu vizinho, seu amigo. Estou me referindo aos outros. O outro que pensa diferente de você, que ama diferente, que vislumbra diferente.

Pôr-se no lugar do outro é uma das tarefas mais dificultadas pelo ser humano. Ser mais real que o rei parece ser uma tendência que nos persegue. Por que nós somos mais importantes que os outros? Por que só nós somos os mais bonitos, os mais capazes? Até que ponto podemos sucumbir tanto a uma sociedade tão individualista? Qual a dificuldade em aceitar as próprias limitações? Por que a angústia de ser evidente sempre?

Não precisa. O que você é, faz, pensa, está sempre visível, não somos tão artistas assim para nos ocultarmos constantemente, e contrariando nossa vontade suprema da soberania, deixamos transparecer e muito nossos valores, nossos defeitos, enfim nosso eu.

Me desculpem os especialistas mas para uma sociedade mais sã não precisa muito: ama teu próximo como a ti mesmo! Não precisa amar nas conceituações de amor pré-estabelecidas pela modernidade. A palavra chave é: respeito. Respeito pelo outro, respeito pela Terra, respeito por si próprio.

Não está na moda ponderar. Vemos de tudo: tem gente que precisa ser do contra, não interessa contra quem ou contra o que, tem gente que não aceita quem é do contra. Tem gente que tem um otimismo exacerbado beirando ao patético, tem gente que não acredita em tanta boa vontade assim.

Difícil? Não. Respeito!

Somos seres humanos, isso implica uma massa cinzenta desenvolvida capaz de encontrar soluções, capaz de criar, capaz de uma inventabilidade divina. Somos pessoas: temos alma, coração, sentimos. Não é possível não conseguir se colocar no lugar do outro, se nós também somos o outro deles.

O homem é impressionantemente capaz de dificultar a arte de ser feliz. Ser feliz é simples. Basta se lembrar dos momentos realmente felizes de sua vida para comprovar essa hipótese.

Sorrir, sinceramente, para os outros não nos machuca. Valorizar o que o outro tem de bom não pode nos mortificar. Ser infeliz e disseminar a ironia, tristezas, dá muito trabalho. Deve ser um gasto de energia!

Olhe para o outro sem a tela do preconceito e da superioridade, veja o outro, ponha-se em seu lugar, nem é tão difícil. Tenho exercitado, caio aqui, levanto ali, mas tenho me tornado uma pessoa melhor. Vale a pena.


Sônia Gabriel, São José dos Campos é historiadora e pesquisadora.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Para Guardar: Rita Elisa Sêda

Rita Elisa, não sou uma fotógrafa como você. Nem imagino ilustrar uma poesia tão linda, apenas desejei demonstrar o quanto suas palavras me tocaram o coração. Este foi sem dúvida o mais belo presente que esta criança poderia receber, a mãe está emocionada.
Paz e bem!
Sônia Gabriel


Mistérios de Sônia

(para Sônia Gabriel)

Batem dois corações no mesmo corpo,
No comando de um Maestro, uma orquestra de amor.
Os corações batem em ritmos diferentes,
E ao mesmo tempo são somente um.
Um pulsa rápido, recebe a vida,
O outro pulsa normal e dá a vida.
Um quer conhecer o mundo,
O outro lhe dá essa oportunidade.

Há música por todo lado,
Só quem a ouve sabe os Mistérios da maternidade.

Leva-se certo tempo para esse aprendizado.
Depois... depois vem o desmembramento físico
Vem o choro, vem a respiração, vem a amamentação.
Dois corpos separados serão transformados,
Um nutre, o outro é nutrido. E vice-versa!
Mas o que mantém o crescimento de ambos
É o espírito formado,
Esse... não há separação!

Rita Elisa Seda

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Opinião: A Volta do Sonho


A Volta do Sonho

(Publicado no Jornal Valeparaibano em 15/09/2004)

A análise das tendências pedagógicas no Brasil deixa evidente a influência dos grandes movimentos educacionais internacionais, da mesma forma que expressam as especificidades de nossa história política, social e cultural, a cada período em que são consideradas. A história do Brasil já vivenciou inúmeras mudanças: iniciamos com uma pedagogia elitista própria para aqueles que a criaram, passamos por uma pedagogia renovada, sobrevivemos ao tecnicismo educacional que coexistia com a interrompida (pelo Golpe de 64) pedagogia libertadora. As evidentes transformações sociais e principalmente econômicas, pois além da preocupação com o ser estava a preocupação de conservar padrões sociais estabelecidos e preparar trabalhadores para servirem as máquinas, nos direcionam para uma nova tendência: a da pedagogia empreendedora.

A evolução da nova escola passando pelo posicionamento filosófico de uma educação Construtivista, vislumbrada por alguns teóricos como Construtiva, só poderia caminhar para o fazer e principalmente para o saber fazer.

A conotação política do Empreendedorismo é óbvia, haja vista a quantidade de profissionais qualificados que não conseguem entrar no mercado de trabalho, as profissões que estão deixando de existir ou então se transformando. Quantos empregos o atual governo já conseguiu gerar dos milhões prometidos? A criatividade, a iniciativa e a autonomia serão as características essenciais para a nova geração.

É a volta do sonho. Aquilo que a escola e a sociedade produtiva capitalista nos tiravam, por acreditar ser sinal de preguiça, alienação, terá que ser, por nós, ensinado.Um tempo para sonhar. Só quem sonha é capaz de criar, o sonho é ferramenta básica para empreender.

Sônia Gabriel,pesquisadora e educadora em São José.

Um pouco sobre Educação...


Problemas da Educação

(Publicado no Jornal Valeparaibano em 18/06/2004)

Segundo a Educadora Guiomar Namo de Mello, os problemas da educação brasileira passam por uma cultura escolar elitista, pela falta de visão estratégica por parte do governo, pela gestão pública ineficiente que gera uma falta de fiscalização das políticas públicas voltadas para a educação; a educadora enumera ainda a falta de aprofundamento por parte das mídias no Brasil quando o tema é a escola e as tendências educativas, e questiona os interesses corporativistas e a estrutura precária de formação do educador.
Nada de novo, mas a coragem de novamente bater em todas essas teclas é nobre. Todas essas questões são as mesmas que anos após anos os estudiosos e educadores sérios levam para suas salas de aula, mas eles são poucos. Todas as questões estudadas e largamente debatidas são de profunda pertinência, mas ainda penso que as mais relevantes das pertinentes se referem à formação de educadores e a visão elitista da escola.
Os mecanismos de verificação que o governo criou para desvendar a qualidade do ensino superior não são eficazes, e no que tange a cursos de licenciatura precisam ser revistos, modificados principalmente em relação aos professores universitários
Mestres que nunca entraram em uma sala de aula dos ensinos fundamental e médio, que conhecem a realidade de professores e alunos apenas dos livros e programas de televisão não podem nos ajudar a encontrar soluções reais para nosso cotidiano. Quem está na linha de frente quer ouvir respostas e está disposto a procurar por elas e até mesmo construí-las se esse é o fato, mas necessitam de auxílio. Precisamos de mestres que saibam do que estão falando, que compreendam a essência do pensamento pedagógico, que sejam capazes de discernir o novo do modismo inconseqüente. A reforma será bem feita se começar por aqueles que mexem com nossas cabeças e emoções, ensinar é algo vivo, mexemos com cabeças e emoções o tempo todo.
O conhecimento é mais que um punhado de títulos, de preferência que venha acompanhado, também de verdade. Todos os outros problemas da educação poderão ser compreendidos melhor pelos profissionais do ensino quando estes forem formados com uma visão de mundo que os permita compreenderem-se, compreenderem seu mundo, compreenderem o mundo do aluno e o próprio, com verdade.
Os educadores brasileiros que enxergaram a realidade e não se amedrontaram diante dela, nem se esconderam atrás de sua autoridade intocável de mestres, conseguiram ao menos dar sentido a sua profissão. Penso muito em Paulo Freire quando o desânimo bate, sua vida profissional teve sentido, longe de um apostolado, como muitos afirmam, vejo nele uma coerência profissional.
Eu não posso escolher os alunos que terei, são pessoas, serão sempre eles próprios, com suas alegrias e mazelas, com seus talentos e dificuldades, mas posso escolher o educador que serei, podemos todos fazer a diferença, e ainda acredito, como um João Batista gritando no deserto, continuarei afirmando que é preciso ensinar antes de cobrar.

Sônia Gabriel, São José dos Campos.



Devido texto acima, fui convidada a participar do programa do jornalista Roberto Wagner, ele escreveu sobre o debate. Foi um grande aprendizado para mim.
Fonte: http://www.valeparaibano.com.br/, acesso em 10/12/2008.
"Conversa de Domingo
Roberto Wagner de Almeida
Ponto de Vista
Ainda a Questão da Educação
Há cerca de um mês, fiz aqui um comentário cético, sob o título "Brasil, Pátria da Ignorância". Baseava-me, então, em dados divulgados pelo próprio Ministério da Educação que, após a realização do SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, chegara a resultados estarrecedores. Por exemplo: 55,4% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental, tanto de escolas públicas quanto privadas, estão em situação "crítica" ou "muito crítica", significando que mal sabem ler ou escrever, pois "não compreendem textos simples". O mesmo SAEB constatou que 68,8% dos alunos da 3ª série e 57,1% da 8ª série estão em situação "crítica" ou "muito crítica" no que diz respeito à matemática, porque "não sabem fazer operação de soma ou subtração envolvida em um problema". Imagine-se o que aconteceria se tivessem que multiplicar ou dividir. Indaguei então, e volto a indagar agora, o que podemos esperar de um país cuja juventude se revela cada vez mais ignorante? Indaguei também como se explica que, embora todos reconheçamos que a educação é base fundamental na construção de um país, não haja um único governante nosso - do município à federação, passando pelos estados - que faça do ensino nas escolas a sua prioridade máxima.

Esse tema me preocupa tanto, que promovi, dias depois, em meu programa de entrevistas e debates no rádio, o "Show de Idéias", um debate a esse respeito. Tive como convidadas uma professora da rede estadual, Denise de Paula Costa, uma da rede municipal, Flávia Camargo, uma de escola particular, Sônia Gabriel, e uma psicopedagoga, Cecília França. Nenhuma pôs em dúvida a exatidão das constatações do SAEB, todas concordaram que a situação é realmente aquela apontada na avaliação nacional feita pelo Ministério da Educação. Ao longo das duas horas do programa, tivemos muita intervenção por parte dos ouvintes, com algumas contribuições muito significativas. O professor Gérson Munhoz dos Santos, por exemplo, que é professor universitário aposentado pela Unesp e foi membro do Conselho Estadual de Educação, questionou se não deveria ter sido feita uma experiência-piloto, com grupos pré-selecionados, antes que se adotasse o sistema de progressão continuada, em que o aluno é promovido de série mesmo sendo reprovado nos exames.
Admitiu-se que essa experiência-piloto teria sido conveniente, e ficou-se sabendo que o novo sistema foi introduzido com muito pouca explicação prévia às professoras que passariam a adotá-lo, e que elas jamais foram solicitadas a opinar sobre o que achavam dessa alteração, pois a decisão foi tomada de cima para baixo, sem possibilidade de discussão, muito menos de eventual contestação. Vale lembrar que, embora o sistema da progressão continuada tenha se tornado conhecido a partir do momento em que foi adotado em toda a rede pública estadual pelo ex-governador Mário Covas, sua introdução deveu-se ao renomado educador Paulo Freire, durante a gestão petista da prefeita Luiza Erundina em São Paulo. Soube-se também que o sistema vem sendo adotado na rede pública municipal de São José dos Campos desde 1996, antes de sua adoção na rede estadual. No geral, entretanto, as professoras admitem que o sistema é válido, na medida em que evita o mal maior que é a evasão escolar. Ou seja, é preferível manter na escola um aluno cuja aprendizagem pouco evolua, a ter que vê-lo abandoná-la devido a sucessivas reprovações, entregando-se à marginalidade das ruas.
Mas ficou claro, também, o inconformismo das professoras. Elas se queixam da constante alteração de métodos e programas baixados autoritariamente de cima para baixo, de tal forma que, segundo afirmaram, mal se pôde aferir o resultado de um e já se recebe ordem peremptória para que aquele seja abandonado para a adoção de outro. Mal remuneradas, as professoras têm que buscar emprego em diferentes escolas, públicas e privadas, restando pouco tempo para se dedicarem à reciclagem de conhecimento e ao próprio planejamento de suas aulas. Trabalham, principalmente na rede pública, com salas em que há sempre um número excessivo de estudantes, impossibilitando uma dedicação específica a alunos que apresentem dificuldade de aprendizagem. Citou-se o exemplo de uma escola estadual de São José onde há 350 alunos e uma única orientadora pedagógica, para os três períodos - manhã, tarde e noite. Se isso ocorre na segunda maior cidade do interior de São Paulo, imagine-se o que deve ocorrer no Norte e Nordeste do país.
A certa altura, mencionei os dados que acabavam de ser orgulhosamente divulgados pela Secretaria de Estado da Educação, com a presença do próprio governador Geraldo Alckmin, obtidos pelo Saresp - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Muito diferentes dos dados do SAEB, que incluíam as escolas paulistas, os do Saresp garantiam, por exemplo, que 53% dos alunos da 1ª série das escolas públicas do Estado de São Paulo já eram capazes de escrever "um texto coerente", percentual que aumentava para 75% entre os alunos da 2ª série. Questionadas, uma a uma, as quatro participantes do debate admitiram acreditar mais nos dados do SAEB que nos do Saresp, pois o que testemunham em seu dia-a-dia é aquela situação "crítica" ou "muito crítica" de alunos que, na 4ª série ainda mal sabem ler, escrever ou entender textos simples. Uma semana depois, o próprio Governo do Estado admitiu que os resultados do Saresp podem estar "maquiados", pois cometeu-se a ingenuidade de permitir que as mesmas professoras que aplicaram os testes lhes fizessem a correção. Quantas professoras, nesse caso, terão cuidado de arrumar os textos de seus alunos, para que elas próprias não ficassem suspeitas de ineficiência na prática do ensino?
Saí daquele debate com duas convicções. A primeira é de que há gente muito competente na área da Educação, impressão nítida que me deixaram as quatro convidadas do programa. A segunda é de que se faz necessária uma gestão menos centralizadora e menos autoritária por parte das autoridades da Educação, procurando discutir previamente com as professoras a adoção de novos programas, métodos e currículos, tanto quanto é necessário um esforço para reduzir o número de alunos por sala, pagar salários que não obriguem as profissionais a lecionar ininterruptamente de manhã à noite, e estabelecer sistemas de avaliação de desempenho das próprias professoras. Sim, porque elas também admitiram que há colegas que não têm a menor preocupação em se aperfeiçoar, que se colocam contra qualquer inovação e "embora sendo minoria, dão muito trabalho" - essa a exata expressão que ouvi."

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Para Guardar: Milton Mendonça


Continuando com meus achados, presentes em forma de palavras...

Leiam, vocês vão gostar muito.
Paz e bem!
Sônia Gabriel

Crônica publicada no Jornal Valeparaibano
03/07/2008

O retrato de Ludmila

Ao entrar no ateliê para mais uma seção de pintura, hoje pela manhã, a placa com os dizeres: livrai-me senhor dos abestados e dos atoleimados, que peguei emprestado de Hilda Hilst (Os dizeres, e não a placa, infelizmente não a conheci pessoalmente), que coloco em cima da porta para espantar os espíritos de porco, olhou-me alerta esperando me pegar desprevenido. Meu sorriso foi inevitável. Imaginei-a sentada na sala, encurvada sobre a mesa de tampo redondo e brilhante, escrevendo seus textos, a lucidez estalando, vibrando a sua volta como uma descarga elétrica, fazendo saltar todos aqueles que raso na suas intenções entravam desavisados em seu horizonte. Meu sorriso se estendeu, senti ímpeto de gargalhar. Por algum motivo, quando percebo aquela placa, que há anos está no mesmo lugar, o dia fica diferente, é como se algo bom fosse acontecer. O dia começara bem.
Alegre voltei meus olhos para a tela sobre o cavalete. Fazem mais de duas semanas que o retrato está sendo elaborado, pensei que terminaria em dez dias como os outros, mas não deu, este é diferente. Faz parte da série de convidadas que estou pintando. É o segundo da série. Convidei-as por serem especiais, são algumas das mulheres que se preocupam com a cultura joseense, todas se esforçam para, de uma maneira ou de outra, deixar o povo menos atoleimado e isso para mim é uma causa muito nobre.
Parei em frente ao cavalete e aqueles olhos verdes, enormes, irradiando inteligência me olharam inquiridores. Faltam apenas algumas pinceladas para terminar. Essa é a parte mais difícil. Como já sei o que fazer, termino rapidamente.
A arte consiste em saber finalizar. O propósito caminha até o ponto da concretização, não podemos ultrapassá-lo ou ele se perde caindo no caos. Assino, está pronto. Não posso mais acrescentar nada. Esta é uma regra que para o bem do meu equilíbrio mental não quebro em hipótese alguma. É a minha gravidade.
Coloquei meus óculos para enxergar de longe e analisei o quadro com cuidado. Fiquei feliz por ter assinado assim que me sento, outra alternativa para construir a mão surge espontânea em minha imaginação, mas não sinto vontade de pegar o pincel. A força descomunal que me fez pintar aquele retrato extinguiu-se. Sinto-me tranqüilo e espantado por ter conseguido terminar. É uma sensação extremamente agradável apesar de contraditórias.
A luz da lanterna que o interlocutor joga sobre o rosto da sacerdotisa que me olha da tela, se espalha para todos os lados chocando-se e refletindo, voltando a chocar-se até criar a imagem que estou vendo, ela é única exatamente por só poder ser vista por mim. Sabemos que a luz só é percebida quando incide diretamente sobre a pupila, somente eu posso vê-la, portanto, preciso ser honesto na hora de retrata-la. Calculo os possíveis ângulos da luz rapidamente, poderia ter colocado mais sombra ali, mais luz acolá, percebo incomodado, mas não sinto vontade de me levantar, está terminado. No próximo acrescento, prometo cansado, sei que este é apenas um estudo.
Quando recebi a foto que ela me mandou, fiquei preocupado, era um close. Como colocar aquele rosto em uma tela cinqüenta por setenta? - perguntei-me ansioso. A sacerdotisa pagã, meio Celta, meio cigana veio a minha mente quase imediatamente. A Ludmila é assim: uma sacerdotisa do século 12, obrigada a viver no século 21 por força do tempo que não pára.
Não gosto de fazer retrato baseado em fotografia. A fotografia é uma arte por si só, essa tal de releitura é um negócio que ainda não digeri direito. Sempre imagino estar em frente ao modelo - claro que tem exceção - o primeiro retrato desta série, o da Sônia Gabriel, por exemplo, copiei descaradamente da foto. O fotógrafo, apesar de ter recém entrado na adolescência, conseguiu captar a luz ideal, um verdadeiro olhar de gênio.
Pretendo pintar nove telas, ou quase isso, minhas convidadas são arredias e, como demorei em criar coragem para expor minha arte ao público, sou um senhor desconhecido e isto espanta os colaboradores. Infelizmente o ser humano gosta mesmo é de acompanhar a opinião da maioria. Faz parte da genética acho. Lembranças de aventuras imemoriais. Deu certo com um é provável que de certo com muitos - algo assim.
A calma invade meu corpo e saboreio a visão do retrato por um longo tempo. Será que ela vai gostar? - pergunto-me preocupado mas logo afasto a duvida. Ela me deu carta branca, não poderá reclamar. Mas não creio que emitirá sua opinião, se contentará com um franzir de nariz ou um comentário sarcástico sobre a minha idealização, não espero mais que isso. Estou satisfeito.
Levanto-me e vou a procura da máquina fotográfica. Ela será a primeira a receber a imagem. Uma pequena deferência pelo imenso prazer que me proporcionou.

MILTON TEIXEIRA MENDONÇA é artista plástico.