quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Contando histórias...



           Professor Luiz Vagner Rodrigues Lima e eu levamos os alunos da E E Dr Rui Rodrigues Dória para visitarem o MAV - Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, em Jacareí - SP. A visita foi hoje, 29/08. Na saída, resolvemos levá-los para conhecerem a capela de Nossa Senhora Aparecida, próximo ao Rio Paraíba do Sul. Lá, contei a eles a história do Jacaré Gigante e da Serpente ou Dragão cuja parte do corpo está sob a capela. Esta bela imagem foi feita pelo professor Luiz e a história deixarei para as Fiandeiras da Palavra, elas contam muito melhor que eu! Mas, vale o registro de mais uma história para nosso Dia Valeparaibano de Contar Histórias. Até ano que vem... 
          Obrigada, Braga Barros, Ludmila Saharovsky, Paulo Barja, Zenilda Lua, Ana Lygia, Neusa Mariano, André Paulo, Sandro Cuesta...

Paz e bem!
Sônia Gabriel




Contribuição poética de Sandro Cuesta para nosso dia...



"Há

Há amor sem paixão
Há calor no chão
Há vento na estacão 
Há caminho na ilusão
Há terra sem noção
Há homem sem ação
Há mulher na solidão
Há teto sem veto
Há momentos sem correr
 Há incrédulos sem noção 
  Há serpente no mar ardente
                                                      Há sereia entre os dentes.

                                                         Sandro Luiz Cuesta"



quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Uma história de André Paulo


Mais um estreante em nosso Dia Valeparaibano de Contar histórias...


Ameaçado na madrugada

"José Manuel acordou ofegante, assustado com um pesadelo. Esfregou os olhos vivos e o nariz protuberante, percebendo que estava suado. Conhecia bem estas noites. Tentar dormir novamente seria perda de tempo. Decidiu ir trabalhar.
Vestiu-se como pôde e desceu as escadas para o hall de entrada da casa, verificando as luzinhas vermelhas dos alarmes. Na cozinha, serviu-se do resto do café e seguiu para o escritório.
José sentou-se diante do computador e aguardou o iniciar da máquina enquanto apreciava o café morno. Era advogado criminalista e com trinta e cinco anos já havia livrado da cadeia os piores tipos. Com isso, mantinha uma vida de rei. Agora, tinha um caso particularmente complexo. Mafiosos contra um político corrupto. O político tinha certeza de que ele era o homem ideal para resolver o caso.
Abrindo os e-mails, encontrou um curioso. Uma ameaça anônima, feita no dia anterior. Não se preocupou: durante a carreira recebeu várias. Finalizada a leitura, começou a analisar o caso.
Passada mais de meia hora, um estampido em outro cômodo lhe chamou a atenção. José visualizou homens de terno preto e armas em capas de instrumentos. Riu da ideia.
O barulho voltou, acompanhado de algo se arrastando. Decidiu verificar o hall. O espaço estava escuro, mas nada mudou. Ainda incomodado, foi à cozinha. As louças estavam espalhadas pela pia. Com o coração a mil, começou a reorganizar as peças. Nisso, sentiu algo se movendo atrás de si e ouviu um estalo, como um gatilho.
Virou-se com tudo e deu um grito! De susto e alívio. Era só o gato. Ainda não seria essa noite..."

André Paulo



Uma história da escritora Ana Lygia


E a noite continua com histórias, Ana Lygia nos envia uma inédita de sua produção. Que privilégio!

Primeiro Amor

"Eu era a menina daquele jardim, a flor que mal se abrira para a vida. Só não sei se era rosa, girassol ou margarida. Sei que delicadeza havia, um quê de mistério e uns ares matreiros de peraltice infantil. É certo que se abriria; porém, o jardineiro caprichoso ainda não havia tocado em seu talhe.
Eu era a menina, flor incerta e acordada toda manhã com a cerração invadindo o quarto, me ardendo as narinas ainda sonolentas, até que o odor do café passado no coador de pano vinha me dar “Bons dias”. Despertando-me, bichinho que eu era, a farejar os cheiros novos e antigos do mundo.
E o meu mundo tinha cheiros, tinha cores e sabores. O melhor deles tinha cheiro de avó: morna mistura de pele, de cozinha e flor, mansidão de olhos azuis que sempre naufragavam em mim, com a calmaria inexprimível da segurança que é “estar em casa”.
Eu era a menina, a flor do dia que farejava naquelas manhãs, minhas melhores memórias de uma vida inteira.
Café coado, num zás levantava. Pijaminha de flanela cor de rosa, saía apressada vestindo os chinelinhos de pelúcia, as luvas e a touca. Tomava o dinheirinho que me cabia e ia, mulherzinha independente a esperar por aquele que me conferia por alguns minutos, daqueles dias brancos, a minha maioridade.
Sentada no muro amarelo, brincava com as moedinhas e com a fumaça que saía da boca. O narizinho vermelho queria escorrer, mas logo o protegia pela quentura das luvas de dedos multicores.
Eu esperava com a ansiedade que se espera um grande amor. Apesar de que, naquele momento eu sequer imaginasse o que seria amar alguém que não fosse da minha família, algo que não pertencesse ao rol dos meus afetos.
Geralmente ele era pontual, mas quando se atrasava era como se eu fosse lançada nas masmorras da solidão, nos angustiosos abismos do mundo “dos grandes”. E esse atraso nunca passava de dez minutos, dez dolorosos minutos, areias que gotejavam, vagas, na ampulheta egoísta do tempo!
Eis que ele vinha, pedalando sua bicicleta verde, com sua voz de tenor que apregoava “ó paderuô, paderuô” ... “ó paderuô, padêro!”. 
Aquela figura forte do negro ia se aproximando e crescendo cada vez mais diante de mim, que corria para ele, arrastando os chinelinhos. Dava meu “Bom dia, padêro” e esperava ansiosa que ele abrisse aquela caixa boa de Pandora. Ao fazê-lo uma onda de delícias e cheiros me invadia. E apesar de certo o pedido, sempre me causava certa inquietação. Tantos sabores e cheiros que eu era capaz de segui-lo, flautista de Hamelin que era.
Nunca soube o nome daquele negro de olhar sereno, de ágeis mãos e sorriso branco de São Benedito; mas ele sabia o meu, pois após a compra diária, pão sovado e broa de milho, ele se despedia dizendo “Gradecido, Dona Aninha”. Nunca soube seu nome, mas com aquela altivez ele só poderia ter nome de rei: um rei africano, ex-majestade das senzalas cafeeiras da cidade. Nunca soube o seu nome, mas não creio que fosse necessário: o amor dispensa certas formalidades.
Fiel como se deve ser aos amores o esperei diariamente, por muito tempo... “Bom dia, padêro!”...”Gradecido, Dona Aninha”.
Esforço-me para lembrar quem rompeu o compromisso tácito que havia entre nós. Se foi ele que deixou de ir, ou se fui eu que deixei de esperá-lo. Talvez isso, uma vez que cresci e já não usava mais o pijaminha de ursinhos estampados na flanela cor de rosa. Certo é que ele foi o primeiro homem que eu amei na vida, mesmo sem saber o que era isso.
Hoje, mulher, olho o passado com a certeza de que o amor vem ao nosso encontro. Tão certo quanto uma equação! O cenário não é mais o mesmo e a flor de pijama que arrastava o chinelinho, cresceu. Mas ainda olha e procura e espera ansiosa por ele que vem, senhor do espaço e do tempo, com os olhos serenos e sorriso desarmado para dar nomes às coisas em melodias passarinhas, jardineiro encantado."

Ana Lygia





Algumas histórias enviadas por Neusa Mariano



"Conto de todas as cores

Eu já escrevi um conto azul, vários até. Mas este é um conto de todas as cores. Porque era uma vez um menino azul, uma menina verde, um negrinho dourado e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-íris. Até que apareceu uma Comissão de Doutores - os quais, por mais que esfregassem os nossos quatro amigos, viram que não adiantava. E perguntaram se aquilo era de nascença ou se... Mas nós não nascemos - interrompeu o cachorro. – Nós fomos inventados!
 Mário Quintana





A incapacidade de ser verdadeiro


Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito de queijo, e ele provou que tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante 15 dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Sinhá Epídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o doutor Epaminondas abanou a cabeça : __ Não há nada a fazer, dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
Carlos Drummond Andrade



Para que ninguém a quisesse

Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de salto altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos. Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair. Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras. Uma fina saudade, porém, começou a alinhar-se em seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela. Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite, tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos. Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido numa gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.
Marina Colasanti"



Uma história da Sônia Gabriel



História de uma lavadeira

Seu Onofre morava no inicio da rua das Primaveras, estava sempre sentado naquela cadeira preta, na varanda. Em sua casa, de quintal grande, tinha um abacateiro e quando era tempo, a molecada fazia a festa, eles jogavam pedras para que os frutos caíssem , depois pulavam a cerca baixinha e branquinha e saiam correndo, sentavam nos morrinhos que só cidade do interior tem  na beira da estrada e se deliciavam; não era preciso nem açúcar de tão doce e gostoso que era o fruto . Seu Onofre era só gritos:
_ Filhos de uma cadela! Ah! Se eu os visse, os mataria todos de tanta pancada. Levem tudo que puderem e morram de tanto comer, seus larápios. Mortos de fome...
Logo saia Dona Alzira, calma, tocava o ombro de Seu Onofre sossegando-o e fazendo com que retornasse à cadeira, já que a esta altura se equilibrava numa bengala de bambu fino, esbravejando para todas as direções e a molecada rindo da cena patética.
_Onofre, não se irrite, o abacateiro está “ empencado” , chega a se arcar de uma banda só. Moleque é assim mesmo! Até parece que nunca foi criança.
_ Molecada do inferno, se eu não fosse cego...
_ Onofre, não fique remoendo, lhe quero tanto bem, homem. Me entristeço quando você emburrece deste jeito.
Seu Onofre sentava, pendia a cabeça loira para o lado, os olhos azuis bonitos e parados davam-lhe um ar pensativo:
_ Alzira- chamava-lhe baixinho.
_ Fale.
_ Sente-se aqui.
Ela vinha , sentava-se , suave como era e encostava a cabeça no ombro do marido.
_ O que mais sinto falta é de lhe ver. Ah! Alzira, lhe vejo aqui na minha cabeça , com aquela cabeleira preta, lisa, comprida, me olhando com aqueles olhos pidões de beijos. Alzira, você não anda tomando sol à toa, não é?
A mulher balançava a cabeça negativamente como se o marido pudesse ver.
_ Você sabe que toda vez que toma sol, a pele fica vermelha e com feridas.
_ Onofre , não se preocupe comigo.
_ Alzira...
_ Fale.
_ Lembra que você era a moça mais bonita do bairro, todos os moços queriam namorá-la. Mas você só tinha olhos para mim. Nunca em minha vida tinha visto mulher mais bonita. E eu que não tinha nada para lhe oferecer e continuo não tendo muito também.
_ Onofre, você nunca poderia imaginar que fosse ficar assim e pense apenas que somos felizes.
_ Acidente estúpido, aquele motorista bêbado, você tão distraída, se eu não pulasse estaria morta. Quando vi aquele carro vindo em sua direção, desejei ser cego para não vê-la morrer. Quem poderia imaginar que o traumatismo me cegaria.
_ Onofre, tenha paciência, Dr. Celso há tantos anos vem dizendo que não há nada físico que te impeça de ver, tenho fé que um dia você verá novamente.
_ Alzira, não consigo ser feliz sabendo que você passa os dias no tanque lavando roupas para aqueles homens porcos.
_ Eles não são porcos, homem; são bons rapazes, pagam certinho.
_ Vivendo numa casa aonde só tem homens, só podem ser porcos.
_ Onofre, vivem assim, pois precisam, não trouxeram suas esposas por não terem como mantê-las . São bons homens, têm aquela alegria que só o povo que vem de lá consegue ter. Já reparou, Onofre, que não conhecemos nenhum baiano que seja triste?  Além do mais, me tratam com muito respeito e educação.
_ Como pensa que me sinto, Alzira, sou imprestável e eles passam toda semana aqui sem sequer me cumprimentar.
_ Isso não é verdade, meu bem! Você precisa se animar, toda essa angústia não te faz nada bem.
_ Alzira, solte seu cabelo para que eu possa tocá-lo.
Ela soltou o coque no alto da cabeça e caiu por seus ombros uma cascata acinzentada por tanto trabalho e dedicação. Seu Onofre sentiu aquele perfume de sempre e sua mente viajou anos e anos no passado para que sua vida valesse a pena.
Sempre no inicio da noite, Dona Alzira gostava, depois do banho, de passar óleo de amêndoas no cabelo, o perfume preenchia toda a casa e dava um frescor. A casa grande e bonita para os padrões de Sesmaria, era decorada com a simplicidade que o casal possuía,  apesar disso era muito agradável e perfumada com óleo de amêndoas. Constantemente,  Seu Onofre se lembrava, poderia ter feito uma carreira na subprefeitura, não fosse a cegueira que o obrigou a ser encostado pelo INPS. O tempo foi passando e ele desanimando em voltar a trabalhar. Como poderia fazer?
Mais de vinte anos tinham se passado desde aquela tragédia. Dona Alzira era bonita demais para morrer. Aquele cheiro de amêndoas, eterno perfume. Aquela cabeleira vasta e negra, uma cascata brilhante e esvoaçante. Era beleza demais para apenas um homem. Um homem comum, um homem apenas para tanta beleza e sensualidade. Seu Onofre não conseguia se imaginar sem toda aquela beleza, talvez por isso tenha se cegado. Dr. César questionava sobre isto. Nada impedia aquela criatura de enxergar a não ser ele mesmo.
Dona Alzira interrompeu os pensamentos de  Seu Onofre, colocando a mesa para o jantar.
Pela manhã,  Dona Alzira se levantou, esticou o corpo de meia idade, caminhou para o banheiro, lavou-se, trocou-se e abriu a casa. Logo, lá vinha Consuelo, trazia o recado dos rapazes-da-casa-da-roupa-para-lavar , junto com a chave. Dona Alzira preparou o café, fritou mandiocas cozidas na véspera e colocou sobre a mesa. Saiu para lavar as roupas. Enquanto subia a ladeira acentuada da rua, olhava uma casa e outra, acenava para uma mulher ou outra. Já não reparava nas construções, nem nas árvores, nem nas crianças. Aliás, fazia muito tempo que havia desistido de tê-las. Na família de Seu Onofre, numerosa de irmãos, apenas dois dos nove tinham filhos. Era algo que não conversavam mais. Dona Alzira tentava poupar o marido já tão consumido pela cegueira. Chegou à casa, desenroscou a corrente no portão, entrou. Foi direto para o quintal. Lavou toda a roupa suja do final de semana e quando deu por si , já passava do meio-dia. Nem abriu a casa para dar uma ajeitada como sempre fazia, mas sem dar conta disso para  Seu Onofre, senão falaria eternamente em sua cabeça.
O marido estava sentado na mesma cadeira com a mesma expressão parada de sempre. Ela veio caminhando devagar, olhando-o com um misto de ternura e piedade. O homem parecia sentir essa piedade e isto o inquietava ainda mais.
_ Como está Onofre?
_ Bem. Ruminou.
_ Fez bom  desjejum?
Balançou a cabeça,  afirmativa.
_ Agora vou preparar o almoço.
Entrou.
O homem continuou ali, parado, quase se podia perceber uma lágrima tomando-lhe os olhos. Parecia uma criança sentindo-se enjeitada, acuada sem poder se virar sozinha e então tendo que submeter-se.
E assim, passavam os dias , as horas, os minutos, numa estranha espera que o acometia sem exatamente saber tratar-se de quê. Ultimamente, entretanto, estava muito mais acometido da angústia. Era como se algo muito forte fosse acontecer. E aconteceu...
Certa noite, Seu Onofre deitou-se aborrecido com a história das lavagens de roupa. Dentro de sua cabeça começou um burburinho de sonhos e lembranças. Dormiu com os sentidos lhe pesando. Viu em sua frente uma rua larga, calma. Ele de um lado observava, do outro, Dona Alzira. Mesmo dormindo, pensava como poderia estar vendo? Não enxergava mais. Mas, ela estava lá do outro lado da rua. De repente, ela o viu e ofegante veio ao seu encontro. Ele, então, percebeu que vinha um automóvel. Angustiado, tentou correr para salvá-la. Corria, mas não saia do lugar. Viu, desesperado, o carro atropelar seu grande amor. Atropelada a mais bela criatura que ele já havia conhecido. As lágrimas o sufocavam de tal maneira que sua visão se tornava turva. Num momento tudo se tornou um grande silêncio. De longe, ele olhava o corpo no chão. Aproximou-se e confuso viu, ali jogado, não o corpo de Dona Alzira, mas o de uma mulher muito parecida,  mais velha, muito mais velha. Tinha os cabelos acinzentados e a cintura mais gorda. Rugas povoavam o rosto e a pele já era flácida. Aquela figura envelhecida, acabada pelo tempo e tanto trabalho, apavorou o íntimo dele. Então começou a gritar desesperadamente e quando se deu conta estava acordado e a mulher deitada ao seu lado, tonteou.
O fôlego foi se recuperando aos poucos e ele conseguia caminhar ao lado da cama, silenciosamente, ameaçava tocar a mulher, mas não conseguia coragem, algo dentro de si mesmo o repelia. Seus olhos ainda estavam como que embrumados,  mas desanuviavam quanto mais ele fazia força para entender. 
Seu Onofre sentou-se no baú e ali ficou fitando a esposa e pensando, pensando...
Tanto pensou que não percebeu amanhecer. Seu ar compenetrado era tão profundo que Dona Alzira acordou e não percebeu o que de extraordinário havia acontecido ali. Passou pelo marido, fez sua rotina e nada notou de diferente.
Quando voltou da lavagem da roupa, estranhou ao não encontrar  Seu Onofre sentado em sua cadeira. Parou no meio do caminho e um frio lhe percorreu a espinha. Aquele frio característico que só as mulheres devem sentir; o frio que alerta os sentidos para que alarmem-se e preparem-se: algo está errado. Só o olho feminino consegue perceber a linha tênue que detecta qualquer anomalia na rotina dos segundos, minutos e dias.
Enquanto caminhava, o chão a puxava, as pernas pesavam-lhe tanto que um discreto suor apontava o esforço que fazia. Chegando à varanda, Seu Onofre apareceu na porta. 
_ Alzira.
O nome quase não podia ser ouvido de tão baixo que fora pronunciado.
Um fulgor tomou conta dela e a inércia se fez presente. Sentou-se. Percebeu o que tinha acontecido e calou-se. Fechou-se em copas. Intimamente sabia que isto aconteceria mais cedo ou mais tarde, o próprio médico já havia alertado para a possibilidade.
Seu Onofre andou, andou, percorreu toda a varanda, mas não ousou falar.
No final da tarde, Dona Alzira levantou-se, doíam-lhe todos os ossos do corpo, preparou-se para deitar. Não esbarraram-se, não falaram-se. Ele apenas a olhava.
Deitaram-se.
Amanhecendo Dona Alzira não o encontrou . Olhou pela casa, silenciosa como sempre e nada. Vieram os rapazes baianos, deixaram a chave. Ela lavou a roupa, ajeitou a casa e voltou. Ralhou com os moleque que acertavam o abacateiro e lhes deu alguns, fez seus afazeres e descansou no silêncio da varanda.
Nas lembranças não conseguia buscar nenhuma palavra daquele homem para ela, os elogios sempre foram para sua beleza, jamais houve um suspiro para a mulher que era. Compreendeu que era melhor o silêncio e assim continuou.


Sônia Gabriel


Uma história da escritora Zenilda Lua



Enviada por ela com a cara dela...













Uma história do cordelista Paulo R. Barja


O dia vai se enchendo de histórias e pessoas encantadas.


Tinha tudo, só não sabia ouvir

"Era jovem e bonito. Nada lhe faltava. Nada, a não ser uma certa paciência. Gostava demais de falar, mas tinha extrema dificuldade pra ouvir. E, quando ouvia, pela primeira metade da frase já tirava conclusões precipitadas: 
- Ei, sabia que a sua mãe... 
- PODE parar, ninguém fala mal da minha mãe, babaca!
- ... é uma pessoa maravilhosa? Me deu o melhor conselho que eu podia ter ouvido essa semana...
Mas aquele-que-não-escutava saía, mesmo assim, pisando duro, jurando que o outro tinha sido ofensivo.
Levava a vida assim. A maioria das pessoas nem percebia isso: muitos ficavam encantados mesmo com aquela pessoa especial e, com o tempo, suspiros acumulavam-se ao seu redor - esses eram prontamente ouvidos... quem explica?
Um dia caiu num poço. Acidente: um buraco enorme numa rua, reformas em execução paralisadas pela época das chuvas, sinalização péssima. Caiu.
Não conseguia sair. Mas tinha boa saúde e teve todas as condições de gritar por socorro. Foi o que fez. Havia pouco movimento por ali, mas em alguns minutos apareceram pessoas dispostas a ajudar:
- Calma! Vamos buscar ajuda!
Ele até viu as pessoas lá no alto. Só não pôde ouvir, preocupado que estava em continuar gritando: 
- Tem água aqui! Vou acabar morrendo! Ajudaí, SOCORRO!
Os bombeiros chegaram rápido e um deles iniciou o salvamento:
- Amigo! NÃO tente nadar aí embaixo, ok? Vamos jogar uma corda, apenas agarre firme...!
- Por que não me tiram daqui de uma vez? Tem muita água! Vou nadar pra ver se encontro uma saída!
- Amigo, NÃO faça isso! A corda está quase chegando...
Morreu por não saber ouvir.

P.R.Barja"


Uma história da escritora Ludmila Saharovsky


Manhã presenteada com esta bela história de Ludmila.


Conto de Desninar ou, uma noite na fazenda

"A noite já andava pelo meio, ou assim me pareceu, quando meu caçula, os olhos bem abertos, acordou-me, rolando sobre meu corpo e parando ao lado da cama larga da fazenda. "Mãe!" 
A luz do abajur acesa, encontrei-me dentro dos olhos de meu filho, grandemente abertos pelo que precisavam me contar. "Levanta mãe!" "Levantar para quê?" argumentei morta de sono. “O bezerro tá comendo os antúrios da vó”. "Os antúrios?" "Logo os antúrios? "Volte para a cama e vê se sonha que ele come alguma flor diferente” Mãe, ele brilha"! Volte para a cama, antes que eu fique brava!" "Ele brilha, mãe! Venha ver!” Levantei-me sonolenta e caminhei para a porta que se abria para os canteiros. "Cadê o bezerro, filho"? No céu, a lua imensa iluminava todo o quintal, e mais nada. "Ele estava lá, mãe, no meio do jardim... você demorou para vir, ele foi embora." "E posso saber o que foi que o senhor veio fazer no terraço de madrugada?" "Ver o bezerro, ele estava fazendo barulho."
"Menino, já pra cama! E ele foi... pra minha! Ajeitei-me da melhor maneira, para conseguir o diminuto espaço que restou do travesseiro, pensando que fosse dormir!"
"Mãe, e se ele comer as rosas também?" "A vó vai ficar bravona". "Mãe, você já viu bezerro luminoso"? "Mãe, que cor que é luminoso?"
Como dormir com meu filho me questionando , abrindo, a cada pergunta, meus olhos com seus dedinhos e atiçando-me a imaginação com aqueles detalhes fantásticos?
"Mãe, se amanhã ele ainda estiver lá, você deixa ele ficar para mim?" "Mãe, e se ele for embora?" "Mãe, escuta... o barulhinho de novo. Vamos, mãe, vamos!" "Filho, pelo amor de Deus, amanhã tenho que levantar cedo!"
"Então fica ai, que eu vou só dar uma espiadinha".
"Corre, mãe, corre, ele voltou"!
E lá vou eu, de novo: os chinelos, o roupão, a porta da varanda, a lua cheia e ... mais nada!
"Filho, não tem bezerro nenhum". "Ô, mãe, você está cega? Ele está comendo o antúrio branco!"
Coloquei a mão na testa de meu menino. Estaria com febre, para delirar daquela forma? Mas não! Beijei sua cara fresquinha, sentando–me com ele ao colo, no sofá.
"Você sabia que bezerro come flor?" "Sabia não!"
"E a avó, amanhã, heim..." "Ela não vai acreditar!".
Vencida pelo cansaço, resolvi ceder: "Pois é, descobrimos um bezerro que se alimenta de antúrios".
"Ah, mãe, te peguei! Você estava vendo e não queria que eu soubesse, não é?" "Verdade! Eu queria só dormir!" "E agora?" "Agora já passou." "Então vamos espiar de novo?" "Vamos!” 
Não adiantava mesmo, afinal, ou eu via de uma vez o tal do bezerrinho comedor de antúrios, e a gente voltava para a cama, ou passaríamos a noite inteira naquele viu-não-viu.
"Mãe, como será que ele se chama?" 
Acho que se chama Raíto. E você, o que acha?"
"Eu acho que ele se chama Ventania.
"E porque Ventania?" "Ué, vento não é transparente?"
"Mãe, como você acha que ele veio parar no meio do jardim?"
"Não sei... voando talvez!" "Sem, asas?" "Sem asas".
"Que jeito?" "Do jeito que vento voa..." "Mãe, e os antúrios da avó?" “Amanhã a gente resolve..." "Gozado, né, mãe!"
"Gozado o quê?” “Bezerro transparente comer flor... como é que ela não aparece na barriga dele?" "Ele mastiga até virar suquinho.”
"Mãe..." e Erik fechou os olhos, vencido pelo sono, finalmente!
A manhã chegou rápida, e com ela os afazeres. Levantei-me cedo. Era domingo e uns amigos viriam para almoçar. No banho surpreendi-me com as lembranças da noite mal dormida. Criança tem cada uma!
Saí do casarão e fui colher algumas flores, no jardim, para enfeitar a sala.
Diante do canteiro dos antúrios, perdi por instantes a respiração. O coração disparou dentro do peito! Realmente não havia uma flor sequer, em meio às folhagens, que ontem estavam tão enfeitadas.
Engoli em seco e uma única questão passou-me pela cabeça: o que eu diria para a avó, quando ela chegasse? Então, ensaiando, falei alto para mim mesma:"Samaria, a noite passada, um bezerro luminoso, de nome Raíto ou Ventania apareceu no seu jardim e comeu todos os seus antúrios!" Depois, o Erik que lhe desse maiores explicações, afinal, o bezerro era dele!"
Ludmila Saharovsky

Para Sônia, com amor!"


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Uma história do poeta Braga Barros


Para começar nosso IV Dia Valeparaibano de Contar Histórias com o pé direito...

Vovô viu a uva!
José Antonio Braga Barros.

"Pois bem, senta aí... Ontem foi um dia de saudades! Saudade é claro do pai. Da figura do pai, da voz, do andar, do jeito de colocar as coisas, do modo de manusear as ferramentas. Sobretudo foi um dia de saudade das histórias. Não dessas histórias que estão nos livros, mas das histórias vindas da rua. Histórias quentinhas, como fornadas de pão, ou de bolos assados em fornos de lenha, com serpentina e tudo. 
Saudade de cheiros, de cores, de barulhos na sala, de cantorias, de risos abertos. Saudade de convivências calorosas. Saudade das provocações entre amigos, que ficavam no limite da tolerância e do respeito, mesmo com uma boa dose de sarcasmo, para provocar o riso e permitir a revanche, que viria com certeza e na mesma medida.
 Saudade de gestos premeditados, mas esperados. Como é bom comemorar o dia dos pais, quando se é filho. Quando se tem o pai por perto, não esse perto espiritual, mas o perto de nos segurar pela mão, de montar um brinquedo, de sorrir das nossas peraltices. Perto desses de calçar os seus sapatos, De colocar a sua gravata, Perto de tentar acender o seu isqueiro de fricção, perto de tirar o seu anel do dedo e vesti-lo imaginando-o muito maior do que realmente era.
Pois com este repertório de filho dos anos 50, 60 lá fui eu tratar de ser um pai para o meu neto. Tudo que vejo quero dividir com ele. Assim, recebendo um belo folder, que na minha juventude era folheto de propaganda imobiliária, logo pensei: Vou brincar com meu neto. Mostrar o carrinho, a piscina, as árvores.
Assim, sentado sobre minha perna, comecei a virar as páginas para aquele ser pequenino de apenas dois anos e cinco meses, como quem lhe mostrava o mundo. Apontando objetos e comentando, na maior simplicidade de avô: Olha o carrinho! Viu o prédio? Olha que céu azul! E todo empolgado ia mostrando cada página e indagando e estimulando uma conversa sem pé nem cabeça para aguçar a inteligência do menino. Então lhe apontei uma árvore no alto da montanha que compunha a paisagem e voltando para o menino lhe disse: viu a árvore? E ele de imediato respondeu: É uma araucária vovô!
Com esta resposta pensei no Caminho Suave: Vovô viu a uva, mas o Samadhi subiu a serra e contemplou a natureza à sua volta. Samadhi viu a araucária e não uma arvorezinha qualquer!
Tenho que ser um avô de futuro e não de passado!"


domingo, 25 de agosto de 2013

IV Dia Valeparaibano de Contar Histórias - 2013



Mal entrou agosto, o poeta Braga Barros me enviou um recado sobre nosso dia de contar histórias. Nesta semana, o cordelista Paulo Barja também. Agora, no final da tarde de domingo, a poetisa Zenilda Lua e sua filha Brisa surgiram em meu portão, com flores amarelas de presente, me questionando se haveria nosso dia, sendo assim, claro!
Dia 28 de agosto, dia de Santo Agostinho (que contador de histórias!) tire um tempinho para contar uma história. Leia, se quiser. Mas, não perca a oportunidade de alegrar uma criança, um idoso, um conhecido, um estranho, quem você quiser. Depois conte pra gente, envie sua história que ela vai para o blog Mistérios do Vale no dia 28. Assim, trocamos nossas histórias e temos um dia dedicado a confraternizar com aqueles que também apreciam a força das palavras.

Nossa ação começou como uma brincadeira gostosa de celebração da vida. Continuou e agora, já pensamos na possibilidade de ano que vem, quinto ano, nos encontrarmos presencialmente. Quem sabe. Por hora, aproveitemos todos os espaços e ferramentas para distribuir boas histórias. 
Nós as conhecemos!

Um pouco de nossa aventura, se clicar em postagens anteriores vão encontrando as histórias enviadas a cada ano.

No I Dia Valeparaibano de Contar Histórias...



No II Dia Valeparaibano de Contar Histórias, ficamos mais audaciosos, amigos contaram histórias para idosos, na rua para crianças, eu montei uma tenda no quintal. A cada história contada, enviavam a notícia para eu postar no blog Mistérios do Vale ou enviavam a história que queriam compartilhar.



No III Dia Valeparaibano de Contar Histórias, as histórias começaram a chegar dias antes do nosso dia oficial. E continuaram chegando depois - tudo de bom!


Então, vai contar uma história para nós?
Participe conosco!
Paz e bem!



sábado, 24 de agosto de 2013

O Rio Paraíba do Sul - nosso rio







Não tão belas quanto as fotos do talentoso Fábio Ramos, mas algumas imagens sob olhar amador da família Gabriel...










Vamos viajar pelas histórias do Paraíba!
Paz e bem!


Imagens da Abertura da Exposição Na Outra Margem: O Rio Paraíba do Sul (SESC-Taubaté)


Caros amigos, algumas imagens da abertura da exposição sob olhar de Fábio Ramos, do Instituto Ecocultura de Educação Patrimonial.

 Ponte - Presença de Euclides da Cunha no Vale do Paraíba

Percurso 

Gente apaixonada pelo Vale do Paraíba - Alexandre Barbosa; Renato e Conceição  Molinaro; Paulo, André e Sônia Gabriel.

André e Paulo Gabriel, Renato e Conceição Molinaro, Sônia Gabriel e Pércila Márcia.

André Gabriel, Renato e Conceição Molinaro, Fábio Ramos, Sônia Gabriel e Pércila Márcia.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Festa do Folclore - Paraibuna - 2013




Amigos, venham...

Chegar para trabalhar e ter uma recepção assim é chique, não é?

Zé Ernesto e João Rural

Zé Ernesto, João Rural, Pércila Márcia e eu - Paraibuna - 23/08/2013




Exposição Na Outra Margem: O Rio Paraíba do Sul (SESC-Taubaté)


"O Sesc Taubaté abre no dia 21 de agosto, às 19h30, a Exposição Na Outra Margem: O Rio Paraíba do Sul. A mostra temática foi concebida pela equipe técnica da unidade de Taubaté, e teve a pesquisa sobre o patrimônio cultural realizada pelo Instituto Ecocultura e patrimônio ambiental e cenografia pela Conceito Humanidades. O visitante será convidado a fazer uma viagem à outra margem do rio de forma lúdica e reflexiva, acompanhado por mediadores que explicam cada elemento cenográfico. O percurso também conta com uma ferramenta inclusiva: audioguia com audiodescrição para pessoas com deficiência visual.
A proposta da Exposição Na Outra Margem: O Rio Paraíba do Sul é a abordagem do patrimônio natural e das relações com ele estabelecidas: históricas, simbólicas e afetivas.
Numa analogia à própria geografia física do rio Paraíba do Sul, o roteiro concebido e elaborado para a exposição segue o próprio itinerário do rio – nascente, percurso e foz –, buscando mapear a paisagem valeparaibana e entender os diversos momentos definidores de sua geografia cultural.
Esses três momentos (nascente, percurso e foz) são, também, três momentos metafóricos. “Existe um traçado geográfico do rio, mas também existe um traçado subjetivo que está no imaginário das pessoas. Trabalhar com esse imaginário também é uma proposta desta exposição”, explica Fabio Luiz Vasconcelos, assistente técnico da Gerência de Programas Sócioeducativo do Sesc São Paulo.
Alinhado aos objetivos do Programa de Educação para Sustentabilidade, em que o compromisso do Sesc com o ambiente traduz-se na promoção de programas e projetos socioeducativos visando à conservação ambiental e à compreensão das inter-relações entre Natureza e Sociedade. “Com mais esta iniciativa, orientada pelas diretrizes da educação para a sustentabilidade, o Sesc mantém-se atento às transformações sociais e à necessidade de repensar os padrões de uso e distribuição dos bens ambientais, a fim de contribuir para um debate que privilegia modos de viver mais equilibrados, cuja dimensão cultural possa ser agente de integração das relações sociedade-natureza, prevalecendo formas mais justas e solidárias de vida e de relação com o ambiente".
Site – Sesc São Paulo.




Serviço:
Na Outra Margem: O Rio Paraíba do Sul

Abertura da Exposição:
Data: 21 de agosto de 2013, às 19h30.

Período de Visitação:
Data: 22/8/13 a 4/3/14
Endereço: Avenida Engenheiro Milton de Alvarenga Peixoto, 1264, Sesc Taubaté - SP.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Escambo 80


Nosso Escambo saiu, quem levou foi a Ana Lygia, confiram nos recados da postagem 79.
Que bom! A biblioteca dela só faz crescer, delícia isso.
Obrigada.
Paz e bem!
Sônia Gabriel


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vale de Livros: Evaldo Peixoto de Carvalho



"O romance JOÃO UM SERTANEJO apresenta o esforço de um sertanejo 
comum em sua luta desesperada por uma sobrevivência penosa e bolsão de miséria em que viviam. A obra literária aborda e explora o entusiasmo da vida sertaneja através do personagem João, o qual busca uma qualidade de vida em terras secas, mas sim com vidas. Vidas como a de sertanejos que buscam viver com força e alegria todos os dias.

O livro aponta o inverso do que sabemos ou achamos que conhecemos da 
região nordestina. A história não somente apresenta o sertanejo em sua luta diária, mas principalmente visto por um novo olhar de quem viveu no sertão e buscou viver uma história mais bonita, viva e esperançosa. Nada como apresentar uma história viva e real pelo próprio autor e autêntico sertanejo EVALDO PEIXOTO DE CARVALHO." 

Patrícia Borges - Netebooks Editora



Foto: Francine Farfan

Estou apreciando muito a leitura, parabéns ao autor!


ESCAMBO 79


Voltamos, caros amigos!
Este Escambo foi doação do cordelista Paulo Barja.
Que tal começar a semana com poesia? 
Versos X Versos III, de Anézio Cláudio Bernardes.
Como sempre, ao primeiro comentário!
Paz e bem!
Sônia Gabriel

FLIT Taubaté - Mistérios do Vale - TV Cidade de Taubaté



Com as maravilhosas da Conceição Molinaro, Pércila Márcia, Dona Benta e Tia Nastácia, que boas companhias, hein!
Quem quiser ir direto, leve a barrinha até 0:41:35
Paz e bem!
Sônia Gabriel

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Praga de Padre no rio Ariranha.



(Jornal de Caçapava, 12 de julho de 2013.)


   Na Vila Barra do Ariranha acontecia de um tudo, dona Adenísia já tinha nascido, se lembra. Ela, muito menina ainda, frequentava a igreja com a mãe. As mães quando iam para a igreja levavam as crianças. Essa notícia se espalhou por toda a região. Teve um homem que já era casado e mentiu para o padre para poder casar, de novo, com outra pessoa, na igreja. A primeira esposa ainda era viva. Quando chegou a data do casamento, o padre descobriu na hora, e, se negou a casar o homem novamente. Um parente do homem buscou na casa dele uma espingarda e queria obrigar o padre a fazer o casamento senão iria matar o padre. Quando chegou perto da igreja armado, o padre saiu na porta, tinha uma escada, e disse para o homem que era para ele fazer o que tinha vontade, podia atirar naquela hora, mas a partir daquele dia tudo iria se acabar na cidade (vila), não seria mais o que era. Foi o que aconteceu.

    A Vila Barra do Ariranha foi se acabando, o rio que era muito grande, com muita quantidade de peixe, o pessoal da região pescava, virou um córregozinho, as pessoas foram diminuindo. O que tem lá é só um pouquinho, mas era movimentado, tinha muita gente. O padre Frei Alfredo Maria do Coração de Jesus, naquela época eles adotavam um nome, foi ele quem rogou a praga e a coisa foi feia mesmo! Muita gente saiu de lá para sobreviver em outro lugar. Ficou só um pouquinho. Hoje em dia, eles já não fazem mais isso (rogar praga).

    O homem que queria matar o padre foi embora com a espingarda nas costas, ele viveu muito tempo ainda, já andava com as pernas tortas, tinha problema para andar, mas muitos anos depois, Dona Adenísia o viu de novo e ele estava rastejando pelo chão, que nem um bicho, de barriga mesmo. O povo dizia que era castigo porque o padre, não importa quem seja, é uma autoridade, é um ungido de Deus, a palavra é poderosa, a gente tem que tomar muito cuidado, ela tanto abençoa quanto amaldiçoa.


Sônia Gabriel


Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Tempo de Férias.



(Jornal de Caçapava, 05 de julho de 2013.)

    Começaram os dias em que o frio já não me incomoda, férias. Hoje, levantei cedo para fazer uma mamadeira e enquanto subia a escada, fui tomada daquele sentimento materno de ouvir os ruídos da casa. Mãe tem disso. A casa parece se comunicar intensamente conosco, inclusive no silêncio. Muito perspicaz em ouvir-se em tal silêncio, foi a poeta Dyrce Araújo com o seu emocionante livro “Quando a casa dorme”. Ali, pertinho da escada, ouvi o ronronar de meu filho. Adolescentes dormem com o corpo largado na cama, edredom que se vire para cumprir seu papel. Aproximei-me da porta e me comovi ao vê-lo tão crescido, meu menino ficou pelo caminho, de vez em quando o vejo num deslize infantil de quem já se acha rapaz, olho para ele sentida de saudade de meu menininho e ele me sorri caridoso, mas tudo o mais que tem para viver vence, claro. Que assim seja!

    Com a mamadeira querendo esfriar, caminhei pelo corredor, fechei a porta do banheiro, passei pelo quarto da pequenina (ela não está lá, óbvio), apaguei a luz e fui para meu quarto. Cama enorme tomada pela criatura de pijaminha, cabelos armados e lindamente desgrenhados, estica a mãozinha e pede a mamadeira, sorve o alimento enquanto acaricia a minha orelha e me olha com aquele pedido implícito de cuida de mim, eu sou pequenina, ainda sou da mamãe (ao menos é o que quero entender) e me realizo. O animal materno alojado em mim se realiza. Ainda estão todos aqui sob a proteção do lar, ainda me chamam, ainda sou a mamãe.

    Nesta manhã fria, onde o frio não me incomoda, manhã de férias escolares, meus filhos reforçam o que já sei e prezo tanto: cheiro de casa, cheiro de manhã com chuva, cheiro de café, leite e pão com manteiga. Cheiros simples que me comovem, que alimentarão as manhãs em que eles já estarão distantes, vivendo suas aventuras planejadas desde hoje, no tapete da sala, enquanto o pai e eu cuidamos de tudo. Eles brincam, crescem, estudam, são felizes, sofrem apenas por bobagens e brigam apenas conosco.  Bom dia para todos vocês...


Sônia Gabriel