quinta-feira, 8 de julho de 2010

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Ele




(Jornal de Caçapava, 25 de junho a 01 de julho de 2010)






Já se pegou pensando em como pode ser escolher estar ao lado de alguém para toda a vida? Parece incompatível com o mundo moderno onde somos tentados a todo instante na crença de que o superficial e efêmero são nortes.
O que nos impulsiona a uma escolha tão definitiva?
A primeira vez que o vi estava de costas, foi em uma fotografia. Ele estava sentado numa moto, apoiando o braço direito no ombro esquerdo, sem camisa, com uma bermuda verde. Tudo que eu gosto, tirando a moto. Verde é minha cor preferida, e, um homem com as costas em V dificilmente não vai ser atraente.
Fiquei muito tempo, secretamente, tentando imaginar como ele seria. A curiosidade é prima da sedução.
Foi numa tarde de outono, há dezoito anos e meio, ventava e começava a esfriar quando acompanhando o entardecer lá vinha ele, de Caçapava, novamente de verde, coturno preto, mochila nas costas, capacete no cotovelo, desta vez sem a moto. Tinha deixado-a pelo caminho depois de sofrer um pequeno acidente. Emburrado com o que tinha acontecido, nem me percebeu até sermos oficialmente apresentados.
Num encontro como tantos que acontecem em nosso cotidiano, nunca imaginamos que algo de definitivo pode nos acontecer. Definitivo nas mudanças que acarretam em nossas vidas. Dizem que somos o que somos pela vida que levamos e eu digo que, acrescentando, pelas pessoas pelas quais passamos e vão participando de nossa construção.
Ele sorri puxando a boca mais para um lado do rosto do que para o outro, lindo! Olhou-me fixo, foi gentil, me acompanhou até em casa. Ele tinha um cheiro diferente dos outros rapazes e me olhava diferente também. Eu não conseguia decodificar onde estava essa diferença, sabia que ela existia, mas ainda iria demorar muito para entendê-la. Num primeiro momento nos demos muito bem, gostávamos de conversar, ele sempre foi meio desligado, mas se esforçava para prestar atenção em mim enquanto me ouvia.
Quando estava longe, muitas vezes me pegava lembrando alguma coisa dele, geralmente a lembrança vinha acompanhada de um frio na barriga e uma leve agitação do pulsar do meu coração, mas o achava muito novo. Um ano só mais velho do que eu, nós mulheres e nossos eternos “achismos”. Perdemos muito da vida por acharmos coisas demais. Às vezes, contrariando todas as regras que estabelecemos, é muito simples viver.
O tempo passou, a amizade tomou contornos passionais e se tornou amor. Sentimento daqueles que nos impedem de raciocinar direito, nos impelem a malvada intenção de posse consentida e vejam, sintam, denominamos todo este turbilhão hormonal e emocional de amor.
Num contrato mais afetivo que impresso, mas devidamente acordado e registrado em cartório, decretamos permanecermos juntos enquanto nossos olhos precisarem se encontrar. Rendemos frutos belos e vistosos, com sabor de futuro. Sonhamos um não fechar os olhos antes do outro, pelo receio de deitar-se sem o amparo do companheiro de viagem. Brigamos pelas maiores futilidades e bobagens como fazem todos aqueles que se querem bem e nos vemos nas crianças crescendo e ambicionando a felicidade nossa de cada dia.
Hoje entendo que realmente só pode ser amor.

Sônia Gabriel

Um comentário:

Anônimo disse...

Linnnnndo Sônia!
Bom chegar cansada em casa e fazer uma leitura tão agradável...
Obrigada!
Beijos
Flavia