(Jornal de Caçapava, 23 de setembro de 2011.)
A primeira vez que o vi, o achei um moço lindo. Coisas de menina, antes dos dez anos, que assistia Sítio do Picapau Amarelo e acompanhava Narizinho encantada com príncipes. Mas, não se enganem, não gostei dele. Estava me tirando a pessoa que eu tanto gostava. Minha Madrinha Maria.
Madrinha passava seu tempo entre o trabalho na fábrica e nos visitar, pois estava morando longe de sua casa paterna. De repente, lá vem ela com ele, um namorado. Horácio fazia tudo para nos agradar, meus irmãos já o adoravam, mas eu só notava que Madrinha vinha menos. Meu pai dizia que era assim mesmo e para me irritar cantarolava que ela havia me trocado pelo namorado.
Para mim, aquilo era uma crueldade. Passado algum tempo começou em casa a conversinha pelos cantos sobre o casamento da Madrinha. Pronto! Agora tinha danado tudo. Casar? Ela não viria mais. Teria muito trabalho em casa, como minha mãe. Teria filhos, não haveria mais lugar para uma simples afilhada. Meu coraçãozinho de criança foi tomado de tristeza. Não podia nem olhar para o Horácio. Estava me roubando muito.
Quando eles vinham, eu pedia a benção, recolhia os agrados (que nunca faltaram) e ia para o canto. Ficava dali observando ele brincar com meus irmãos. Bobos, tinham se rendido por tão pouco, pensava rabugenta e enciumada. Então, aconteceu...
Foi numa manhã, eles sempre vinham de manhã, sábado ou domingo e ficavam conosco o dia todo. A casa ficava alegre, ambos cheios de novidades sobre o casamento. Ele se aproximou e me entregou o corte de tecido mais lindo que vi em toda minha vida. Era para minha mãe levar até a costureira e que se fizesse um vestido novo para que eu fosse ao casamento. Foi a primeira vez que um moço tão bonito e gentil me presenteou. Não consegui esconder a alegria com aquele pano delicado e todo para mim. Minha mãe me levou para tirar as medidas com uma de suas comadres. O vestido tinha comprimento de princesa, gravatinha como os das sinhás e eu me sentia a menina mais linda do mundo nele.
Usei muito aquele vestido, inclusive no casamento da Madrinha com o Horácio. O curioso é que devo ter ido a muitos casamentos, mas o primeiro que minha memória sempre se recorda é esse, por mais que me esforce. Madrinha passou a ter suas obrigações, seus filhos, mas nunca deixou de nos visitar. Eu demorei anos para começar a chamá-lo de Padrinho, mas a cada dia de convivência aprendia a amá-lo como se ama um pai. Quando meu pai faleceu, fomos ano a ano o colocando em seu lugar. Enquanto vivo, meu pai, certa vez, nos disse que se precisássemos de algo, e ele não estivesse presente, era para falar com o Horácio. Assim tem sido há décadas.
Não o procuramos mais por esse motivo, o procuramos para ter o aconchego de um pai. Ele sempre nos recebeu como filhos, e hoje também como avô, o vovô Horácio, acolhe cada um de nossos filhos. Horácio não tinha obrigação nenhuma com os primos e afilhada de sua esposa, mas nos amou e protegeu como pôde; sentimo-nos seus filhos e sua casa é nosso canto. Horácio é daqueles homens raros que nasceram para a paternidade, exercita-a com naturalidade de existência. Homem simples, de valores bucólicos, sente-se feliz por ter gastado tanto de seu tempo com os filhos que a vida lhe ofereceu, sem que ele precisasse aceitar. Sente orgulho de cada um de nós quatro, acolhe nossas famílias, é íntimo delas. É nosso pai. Madrinha e Horácio sempre estiveram em nossas vidas: nos momentos de penúria, nas celebrações, nas festas e nos lamentos. Horácio me conduziu ao altar, recebeu meus filhos e faz parte de minha vida para sempre.
Graças por aquele dia em que Madrinha chegou em nossa casa com o moço tão bonito!
Sônia Gabriel
6 comentários:
Sonia
Que linda e merecida nomenagem!
O senhor Horacio deve estar muito feliz por essa crônica.
Se antes esse sentimento tão bonito se limitava ao conhecimento
dos irmãos e dos mais íntimos , hoje todos nós que lemos essa página
aprendemos a admirá-lo apesar de não conhecê-lo pessoalmente
Costumo dizer que pessoas raras como Seu Horaccio nesse mundo
conturbado são anjos de DEUS.
Beijos e fique com DEUS!
Berenisse
Sônia,
Li emocionado sua crônica sobre o Horácio.
Quem dera um dia alguem pudesse falar de mim assim!!!
Obrigado pelo seu texto, só tenho a agradecer o prazer e a emoção que senti ao lê-lo.
Bjs.
Luiz Fernando.
Horácio é um homem do bem...me ensinou e nao vou esquecer que meu filho deve me chamar por mamãe e teu pai por papai...ensinou que o amor é que faz filhos respeitosos e obedientes. Somos privilegiados por conhece-lo e dividirmos momentos especiais...é uma família muito abençoada por Deus. Bjs meus e do Cayo ❤
Berenisse, ele é o nosso "Paidrinho" e, sim, você está coberta de razão: ele é um anjo de luz, ele e a Madrinha Maria. Beijos, Berenisse.
Luiz Fernando, obrigada por sua leitura e comentário. Tenho certeza que você também será lembrado assim! Paz e bem!
Simone, obrigada por sua mensagem tão especial. Ele a família toda são nosso tesouro. A Madrinha Maria nos permitiu fazer parte da família dela e somos muito gratos por isso. Beijo e volte sempre ao blog, paz e bem! Sônia Gabriel
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