segunda-feira, 1 de abril de 2013

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Uma rua como nenhuma outra.



(Jornal de Caçapava, 23 de março de 2013.)


     A memória é o castelo do homem, alguém disse, mas não me recordo agora. Porém, sei que são inúmeras portas, salões, escadarias, torres e, claro, calabouços. A memória é o feudo individual. Único domínio aonde julgamos nossa elementar idade e temos a certeza frágil de que podemos reinar sobre seus domínios sem os meandros da realidade.

     De vez em quando, possuídos de angústias remotas, entregamo-nos ao desespero de não conseguir esquecer o que tanto almejamos e suplicamos por um pouco mais de claridade naquela imagem que tanto sabor traz para nossa alma. Nem sempre com bons resultados, insistimos.

     Lembrar tem sido a labuta humana, o medo de esquecer é tão subjetivo que cada um elabora a melhor maneira de evitar essa desventura íntima. O esquecer no coletivo é improvável, sempre haverá uma memória em sentinela, uma astuta guarda em prontidão, mesmo que nos enganem que não seja relevante lembrar. A adversidade do esquecimento é individual. Não lembrar constrange. Mesmo que o esquecimento ocorra num singelo deslize de uma data de aniversário, de um recado, de algo que se veio buscar “mas sabia-se agora a pouco”.

    Como suportar esquecer o sorriso que nos alegrava e confortava, o rosto que nos fazia sorrir, a resposta que poderia mudar toda nossa história? Quanto medo de esquecer! Para não esquecer, diários foram escritos, fotografias reveladas, filmes eternizados. Cópias, muitas cópias para não permitir que nada se perca. Baús infinitos repletos de matéria finitíssima.

    Mas, e nossa memória? A questão é o que fica em nossa cabeça, é o que se guarda em nossas veias. Pode parecer incrível, mas muitos gostariam de esquecer e a maldição do esquecimento então, como deuses gregos, brinca com a sorte do homem. Quando se quer esquecer não há como? Recordo o caso do homem que havia sido muito desagradável com sua esposa, enquanto jovem, e com o amadurecimento passou a ser um terno marido. Com a velhice veio a “doença do esquecimento”, sua memória recente se perdeu e ele só se lembrava dos tempos difíceis e sofria por isso.

     A memória é o castelo do homem? A minha é uma rua. Uma rua como nenhuma outra. Aquela mesma rua que aparece em quase todas as minhas linhas, evidentes ou subentendidas. Sempre presente. O presente do meu passado, único agrado que me permite.

Sônia Gabriel


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