quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Ma(e)ternidade.


                                           
(Jornal de Caçapava, 07 de outubro de 2011.)


Ela nasceu pequenina, tão miúda que seu pai a segurava apenas na palma da mão. Nasceu muito antes do tempo certo, numa Sexta-feira Santa. Pesou um quilo, oitocentos e setenta e cinco gramas. Suas pernas eram tão finas que pareciam os bracinhos das outras crianças dispostas no berçário. Não tinha sobrancelhas e nem cílios, faltara tempo para se formarem. Ela sumia entre suas roupinhas, parecia infinitamente frágil. Nasceu gritando, foi arrancada de um útero inóspito que a sufocava. A primeira vez que a vi, pensei que tinha herdado minha cor, mas não. Estava escura porque o ar lhe faltava.O cordão umbilical a sufocava e a volta que ele deu em torno da pequenina era arrematado por um nó. Minha filha nasceu porque não poderia ser diferente. Tudo conspirou contra.
Há dois anos, nós duas nos encontramos pela primeira vez. A pequenina teve seu tempo para tudo. Demorou a pegar peso, a crescer, a andar. Curiosamente, aprendeu a falar muito cedo. Nada de repetir palavras, se expressa com muita desenvoltura, pensa para falar, canta com emotividade, gosta de dançar, abraçar e beijar as pessoas. É alegre e simpática. Seu rostinho tem profunda vivacidade.
Está sempre perto de mim, me chama o tempo todo, bagunça meus livros, me intima a cantar e contar histórias e joga brinquedos por todos os cantos da casa. É notório que ama o irmão mais do que a nós, seus pais. Carinhosa, gosta de colo, de chamego e de dormir entre nós, em nossa cama. Uma guerra doméstica deliciosa.
Adora conversar ao telefone e quando vê o computador ligado, corre e começa a teclar, briga para não sair, afirmando que está “esquevendo”. Abre os livros e simula ler, nos observa de venesgueio para saber se estamos olhando. Chama as vizinhas ao portão para conversar, é o chamego de minhas amigas.
Quando o pai chega do trabalho, recebe-o com afagos, assim como ao irmão, quando chega da escola. Gosta de ajudar a levar o café do pai.
Às vezes, quando estou trabalhando, as ideias fluindo, ela me exige. Penso em todas essas coisas, largo o que estou fazendo e me rendo aos seus abraços. Não pode ser diferente, pois o diagnóstico era que nem nasceria e se nascesse, não teria saúde. A tudo contrariou.
Enquanto rabiscava estas linhas no caderno de rascunho, ela estava em meu colo, guerreando para tomar a caneta. Cansou e se aconchegou entre meu peito e o caderno. Fui lendo alto o que escrevia, ela escutando, foi se aquietando, sentiu-se ninada com a própria história. Ela dormiu, eu terminei. Ambas em paz, depois de tanta luta e esperança.

Sônia Gabriel

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Babi!

Com a benção de Deus temos a oportunidade de tê-la entre nós. É impressionante como é simpática e carinhosa mesmo com aqueles que a vê só de vez em quando (eu, por exemplo). Não me esqueço de vc segurando o rostinho da Maria Eduarda para fazer nariz com nariz, uma graça!

Feliz Dia das Crianças, Babi!

Beijos!

Karine

Unknown disse...

Sônia, eis aqui, novamente, o testemunho que me tranquiliza, toda vez que a natureza "ameaça" me assustar e contrariar o evento que se faz dentro de mim: um novo ser que já chamo de Miguel. Escolhi nome do chefe dos anjos que é pra não deixar dúvidas sobre sua missão! De Deus só espero o melhor, o mais perfeito e natural acontecimento. Ele "autorizou" essa nova vida. Não há de querer interrompê-la! Obrigada por registar o desfecho da história de Babi. Estarei sempre relendo. Bj para as duas mulheres super-poderosas!