quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Eternas lembranças e sentença.


(Jornal de Caçapava, 09 de dezembro de 2011.)


 Meu pai contava histórias. Pedro Malazartes, Festa no céu, A moça que virou bicho; tinha aquelas incríveis histórias sobre as assombrações de São João do Manteninha e algumas histórias da Bíblia. Para nos divertir, falava muito do tempo em que os bichos também falavam. Tocava gaita, sanfona e violão. Cantava Roberto Carlos, e, as músicas que aprendia no programa do Geraldo Meirelles. Canta Viola.
Minha mãe nos ensinou a rezar, o rosário era companhia constante, mas (Deus me perdoe) preferia ouvir as histórias de meu pai, eram mais emocionantes. Que pecado! Eu era terrível. Como pensar algo assim? Ficava com medo e ia correndo rezar. Hoje, matutando bem, acho que Nossa Senhora devia achar graça, isso sim (Deus me perdoe de novo). Fui criança, também, amém.
De todas essas lembranças, sempre recordo a história da Velha que de tão solitária pediu a Deus que lhe desse companhia, nem que fossem indesejáveis e assim nasceram todos os insetos do mundo. Boa resposta de pai para sossegar crianças curiosas. Ele terminava sempre com aquela moral de que devemos respeitar e agradecer até pelos insetos. E vejam só, tantas vezes me pego perseguindo os pobres com a ponta do aspirador.
Sentimos-nos invadidos pelos repulsivos visitantes. Ninguém aceita uma teia de aranha em casa, onde já se viu, matamos até abelhas. Filosofei sobre essas eternas lembranças e senti a gostosa melancolia do tempo que passou e foi feliz; o aspirador na mão, retirando a incômoda poeira; envergonhei-me dos assassinatos cometidos contra tantos insetos, refleti sobre a importância de cada ser vivente, cheguei a me constranger com aquele cabo imenso do aspirador contra a pobre aranha cumprindo seu destino.
Ensaiei um movimento de recuo, e aí chegou ela, aborrecida, fazendo beicinho, chorando, coçando a picada já inchando sua frágil e alva pele de pequenina. Pede pomada. Aconteceu, mirei na trabalhadora tecendo e rompi seu destino. Só agora penso, apenas penso sob o cheio enjoado do inseticida.


Sônia Gabriel

  

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