quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Coluna Jornal de Caçapava: Cheiro de Maçã


(Jornal de Caçapava,29 de janeiro a 04 de fevereiro de 2010)



A fruta preferida das crianças quando eu era uma criança era a maçã. Nossos olhos brilhavam diante da coloração, salivávamos diante do cheiro e a degustávamos bem devagar, devagar... Essa paixão pelas maçãs talvez seja o resultado de sua ausência, não era tão fácil assim tê-las sempre; estamos em 1979, num bairro simples, na cidade de Jacareí.
Na escola, ter na hora do recreio uma maçã era um grande troféu que exibíamos gracejando com “alma de moleques”, aliás, o que éramos todos. A escola era realmente o máximo, sonhávamos com ela, não fazíamos pré-escola, quando completávamos sete anos íamos direto para a primeira série. Tudo era novidade. Nossos uniformes, nossas malas com o material, nossas lancheiras com personagens dos desenhos animados, nossos coraçõezinhos cheios de ansiedade e alegria pelo novo que nos vinha.
Mas e afinal o que tem a ver as maçãs? As maçãs têm tudo a ver com a Dona Marlene.
Dona Marlene foi minha primeira professora. Era uma morena, alta (ao menos era o que eu achava do alto de meus sete anos), linda. Quando nos abraçava afundávamos em seu farto colo, estava sempre de vestidos, tinha o cabelo crespo e o usava bem curtinho.
Dona Marlene tinha cheiro de maçã. Não sei se porque era o presente preferido que gostávamos de lhe dar, ou se porque ela era como as maçãs: cheirosa, bonita, rara.
Todas as crianças que terminavam a primeira série não queriam deixá-la, todos as que estavam chegando queriam ir para sua sala. Levávamos seu nome longe.
Ainda sinto o cheiro de maçã que Dona Marlene tinha. Lembro-me perfeitamente de sua paciência, sentava com cada um de nós, pegava em nossas mãozinhas e traçava aquelas letras lindas, bem desenhadas que ela exigia tanto que tivéssemos, fruto de seu tempo nos dava lições que me valem até hoje: capricho, insistência, cabeça erguida, autodisciplina. Quando errávamos nos tocava a mão, fazia-nos um leve carinho, e firme dizia: “apague e faça novamente”, quando acertávamos, nos tocava a mão, e com a mesma firmeza e um brilho nos olhos nos dizia: “é isso!”.
Nos recebia e se despedia todos os dias com um beijo e um abraço, era nessas horas que respirávamos seu cheiro de maçã.
Mudei de cidade, de escolas, de escolhas, mas nunca esqueci o cheiro de maçã de Dona Marlene e me reencontrei algumas vezes com este mesmo perfume (essência de conhecimento, paixão pelo que se faz, humanismo) em outras Marlenes que estavam guardadas nas “Margaridas, Ivones, Luizas, Luzianes, Márcias, Adrianas, Valdetes, Rosemeires, Simones, Polianas...”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu descobri o que me encanta e o que encanta as pessoas quando leem suas crônicas. Suas palavras são capazes de nos transportar para lugares e épocas.
Li sua crônica sobre as maçãs da infância e me vi com 6 anos no Rio de Janeiro, onde morava, com a minha primeira professora, ela Maria Aparecida. Não sei se cheirava maçã, mas usava uns óculos escuros grandes e calças pantalonas listradas....que coisa boa...


Obrigada Sônia, por ter entrado na nossa vida e na história do jornal.

Bju
Mônica