Aqui, na Bienal do livro de São José dos Campos, vejo palavras voando, andando, pairando, fugindo, se revoltando. Há palavras encantando, assustando, organizando, ensinado, alegrando. Tem palavra de tudo quanto é forma, tamanho, cor e vontade. Sim, as palavras têm vontade.
Eu lido com a palavra falada e escrita há anos e muito pouco sei sobre a força delas, mas é um pouco que já me traz certo discernimento.
Os homens começaram a falar para dividir tarefas, é o que defendem alguns antropólogos. Interessante, para trabalhar foi preciso falar e hoje em dia há empresas que não permitem que seus funcionários conversem. A palavra, para mim, sempre foi sagrada dado caráter de minha formação por uma família católica tradicional. Cresci ouvindo minha mãe dizendo que se não há nada de interessante para falar que se preservem as palavras. Pensar antes de falar também é importante, mas a fala descontraída, à toa, para passar o tempo, tem lá seu valor.
E quanto a escrita? Pois bem, foi o povo sumério, lá na antiga Mesopotâmia, os inventores desses sinais milagrosos, fantásticos e que nos permitiram a eternidade (ao menos é o que parece), depois dos sumérios, os sinais foram sendo ampliados; o potencial descoberto de uma ferramenta que pode se tornar uma arma mudou as características do mundo de então, e, viajou para outros povos que dela foram se apropriando e moldando. A escrita nasceu para alguns poucos que organizavam a distribuição de alimentos. Palavra é alimento, ainda.
Ainda poucos, realmente, têm acesso à escrita!
Tenho tentado aprender sobre o dom da palavra e a responsabilidade que esse dom implica. Não sou uma escritora. Apenas uma escriba. Como na origem do termo, apenas registro o que vejo, me falta certo dom de transformar as palavras em magia. Elas ainda são para mim, carregadas de forte carga de verdade, talvez por isso, não consiga finalizar alguns escritos que dependem muito da ficção. Quem sabe, algum dia.
A palavra tem força quando falada e quando escrita. O papel aceita tudo, mas a alma não. É preciso muita coragem para proferir certas palavras, eu penso que para escrevê-las deveria haver também. Tenho procurado me afastar das palavras vazias, das palavras cruéis, das palavras maldosas e carregadas de inverdades, e assim, às vezes, é preciso se afastar de quem as profere.
A escrita é um caminho e o leitor, os pés. Eu, leitora compulsiva e apaixonada, tenho recorrido ao tempo das palavras com PH soando a F para buscar entendê-lo. Escritores com um antigo cavalheirismo, salvo raras exceções, sabiam bem que cada palavra gasta em vão, escrita ou falada, traz em seu contexto o devido teor do interior de quem se prestou a usá-la. Intelectuais que muito antes do modismo já valorizavam os relatos falados dos excluídos do acesso às letras. Muito tenho interiorizado dessa verdade.
Aos homens, a palavra! Eles, não podendo respirar sem ela, se traduziram em criações para que os gritos, mesmo que mudos, sempre ecoassem, sempre se impregnassem em argila, madeira, paredes de cavernas, metais, tecidos, papéis, fitas e páginas virtuais, não nos permitindo esquecer que um dia, como eles, já teremos existido.
Sônia Gabriel
Um comentário:
Eu não sabia que você tem uma coluna no Jornal de Caçapava, vou passar a ler; muito bom seu texto com relação à Bienal; aproveitando o ensejo, a Sonya Melo falou muito bem de você que a ajudou muito na arte que ela faz hoje em dia; grande abraço.
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