(Jornal de Caçapava, 23 de dezembro de 2011.)
Muitas mulheres velhas (no tempo em que esta palavra não era ofensa) foram forja de meus olhos e entendimento. O talentoso valeparaibano Brito Broca, no livro Memórias, nos delicia com uma passagem onde relata suas visitas a uma fazenda em que se tinha uma verdadeira “coleção de velhas” (dele emprestei este título). Bons tempos aqueles em que as mulheres não fugiam da idade. Não se pretendia ser jovem para sempre, muito menos estabelecer competição com as mulheres mais novas. Moças eram moças, senhoras eram senhoras. E me parece que não se pode fugir, nem se deveria, da beleza que os anos trazem.
Não é necessário duelar com o tempo para continuar vivendo. A vida só acaba, oras, quando acaba. Há alguns dias, assisti a um comentário, na televisão, em que um psicólogo (perdoem meu esquecimento do nome), muito bem por sinal, explanava sobre essa dificuldade que as pessoas mais maduras andam desenvolvendo de não aceitar o tempo, de disputarem o palco com os mais jovens como se apenas o palco existisse, como se não fosse necessária a experiência por trás das cortinas, como se a coxia também não fosse encantada, na verdade todo o restante do teatro da vida.
Também tenho minha coleção de velhas. Aí de mim, se não fossem elas!
Até o final da infância, eu tinha medo de pessoas mais velhas. Não podia ver um idoso que corria de medo, chorava desarvorada, me escondia atrás das saias maternas. Era um vexame. Ainda hoje, não sei qual o motivo dessa reação, pois adorava meus avôs, que não eram mocinhos. Mas, todos os outros idosos, eram motivo para a tragédia infantil. Jamais me esquecerei da velha que me causou medo, se não me engano seu nome era Geralda, a pobre se enroscou em um arame, tentando atravessar uma cerca, e aquela cena me causou tamanho espanto, que ainda hoje lhe recordo os detalhes do choro envelhecido e triste.
Muitas outras velhas povoaram minha imaginação, meu entendimento da vida: as velhas que me geraram; a velha que quase me apresentou para a morte (ainda bem que era ruim de previsões); a velha rancorosa, de quem faço questão de esquecer os conselhos que nunca solicitei; a velha que me deu lições, todas muito proveitosas e que saudade sinto de nossas conversas mansas, tão cheias de verdade; a velha que largou o marido, uma história que ainda conseguirei escrever.
Não podemos permitir que a velhice nos espante, precisamos conhecer a extrema maturidade, os mais jovens precisam dos que já passaram pelo caminho, como eu seria se um dia não tivesse compartilhado com a velha que me deu livros e enfeites de Natal? Como não ter escrito a crônica sobre a velha na janela?
Como lamento não ter me preocupado mais com o tempo vazio e por isso ter passado por mim a velha que não conheci. Às vezes, penso no valor do que posso ter perdido, me resta aprender as lições, viver, saborear os aprendizados dessas mulheres que viveram muito, que se importaram com meus olhos curiosos, que não permitiram que eu, na velhice, ficasse como a velha só, sentada no banco da calçada, cuja visão apocalíptica tanta tristeza me trouxe aos olhos. Devo ao tempo vivido, com sabores e dissabores, a sabedoria e a velha que espero ser.
Sônia Gabriel
2 comentários:
olá querida!
Adorei, muito bom, que Deus continue te iluminando e te dando graça, sempre, que este ano que desponta seja repleto de paz e alegria, graça e paz sobre sua casa.
Carlos Noel
Sônia, minha mãe tem 73 anos de vida. Eu olho para ela e penso: "Será que eu viverei tudo isso?" Então, ela tem uma vantagem sobre mim: tem a certeza de ter vivido 73 anos e eu não tenho a certeza de que viverei 73 anos... Seu texto nos invoca à muitas reflexões! Parabéns! Sonya Mello
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