quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Crônica: Sonhos em Papel.

(Três Neguinhas, fotos: André P. Gabriel, próximo São Bento do Sapucai -2008)


Sonhos em Papel


Tive um sonho estranho, categoria pesadelo mesmo.
Eu explodia depois de escrever algumas cartas. Foi tão real que senti nitidamente o corpo inchar, a explosão aliviar a alma e o sangue que depois jorrou.
Eu, apesar de protagonista, podia ver tudo, inclusive as cartas escritas antes do fatídico final. Muito constrangedor assistir ao próprio "Fiat Lux".


Quando acordei, extremamente assustada, só conseguia pensar nas cartas. Nem tentei entender o motivo do pesadelo. Dormir depois do almoço, sem o hábito de fazê-lo, pode ser um deles; preocupações com o que não depende de mim, também.
Mas o pesadelo em si não é a questão. Estou intrigada com as cartas. O que será que escrevi ali? Eram tantas as páginas espalhadas, a tinta intensamente azul a ponto de eu recordar. A caligrafia forte, inclinada, irregular, como a de todos aqueles que têm urgência, que pensam rápido demais. Já conheceu algum pensador, médico, jurista, escritor com caligrafia pedagógica? Eu ainda não.
Adoro esta indagação quase que querendo ser uma constatação. Afinal, minha vaidade se restringe diante de minhas mal formadas letras.


Mas voltando as cartas, já escrevi muitas na vida.
Desde que me reconheça como escriba, escrevia para minhas primas de Minas Gerais, para Irmã Dallaste em Atibaia, para meus amigos de Jacareí (quando vim morar em São José), sim, já houve um tempo em que era mais fácil enviar cartas para Jacareí do que ir até lá.
Já escrevi cartas para meu pai depois que faleceu, para meu filho antes que nascesse e para meu amor antes que se consumasse.


Escrevi até mesmo uma carta para mim, aberta quase dezesseis anos depois de escrita e guardada de acordo com orientações de Balzac.


Com o advento da tecnologia diminui as cartas, infelizmente. Mas de vez em quando ainda faço o mesmo ritual: aconchego-me numa cadeira, organizo o espaço na mesa, ajeito duas ou três folhas em branco e as inclino e com uma saborosa sensação de antigamente deixo a caneta macular o papel. São letras, palavras, frases que o preenchem e dão vida, cor e uma harmonia pouco compreensível para quem absorveu totalmente teclados e telas.
Dobro as folhas com dois vincos e guardo sempre em envelope lacrado. Nem sempre envio. Não sei dizer por qual motivo.


Mas o fato é que ainda estou intrigada: o que tanto escrevi antes de explodir? Como saber?
Bom, é hora de caminhar um pouco, estas páginas todas, deixo por aqui...


Sônia Gabriel

2 comentários:

Anônimo disse...

Gosto muito da sua prosa. É leve, apesar de penetrante. Faz pensar!

Acabei de configurar meu outlook e todas as mensagens que tinham sido capturadas na última semana do provedor e estavam todas confusas se ajeitaram, Achei todas suas mensagens. Que delicia ler com calma sentado na minha cadeira sem tempo e ninguém me observando. Sua prosa é viajante...parabéns!

Mande-me mais!

milton

Anônimo disse...

Sonia,

Assim como você, adoro escrever e receber cartas.Menos as que explodem o remetente.

Que experiência incrível, heim?

Coisas de gente criativa como você.

Abraços,

Conceição.