Todo ano é a mesma coisa (pensei em começar diferente, mas é exatamente assim): chuva forte, alagamentos, enchentes, desmoronamentos, casas destruídas, gente soterrada, gente desabrigada, gente morta.
Todo ano é a mesma coisa: jornalistas impecavelmente trajados, acomodados em suas poltronas, debatendo os absurdos anuais ocorridos por contas das fortes chuvas, suas falas insufladas, carregadas de imagens tão fortes quanto, a dramaticidade com tratamento cinematográfico, as cobranças aos órgãos públicos laureadas de lamentos igualmente públicos, milhões de abrigados de olhos vidrados nos jornais de horário nobre. Ainda bem que tem novelas depois, para aliviar os corações em suspenso.Todo ano é a mesma coisa: políticos visitando desabrigados, adequadamente protegidos com suas botas e seguranças, vindos ao encontro de seu povo sofrido, povo desprotegido do sistema (de todos eles?), povo que não tem onde morar, povo que trabalhou e pagou por sua morada em lugar ilegalmente constituído, povo que não tem para onde ir, povo que chegou e ficou. Povo que vota.
Todo ano é a mesma coisa: mulheres (na maioria) e homens enfrentam as câmeras e choram seus filhos, móveis e sonhos perdidos. Crianças que nadam nas águas barrentas e sujas, sem se preocuparem, pois infância não feita para inquietações. Senhoras que se recusam sair de onde fincaram suas raízes, talvez por cansaço. Vidas lamentando frente ao microfone que alguém precisa fazer algo por elas, como se as próprias fossem ninguém.
Todo ano é assim: nós assistimos indignados, recolhemos e enviamos doações, fazemos visitas, choramos comovidos por tanta tragédia, lemos e assistimos jornais, comentamos com vizinhos, escrevemos crônicas.
Todo ano é assim: janeiro passa, fevereiro passa, as águas de março passam. O restante do ano enxuga a terra e nossas memórias; a vida transcorre como rio calmo, silencioso, enfeitando a paisagem transformada pelo homem, porque a natureza é apenas um elemento ao nosso serviço(?).
Sônia Gabriel
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