sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Coluna Crônicas Jornal Valeparaibano - O Milagre da Espera.


O Milagre da Espera

(Publicada no Jornal Valeparaibano em 30/10/2008)


Milagre é uma definição subjetiva demais. Muitos vivem a espera de um milagre, alguns afirmam que eles acontecem a todo o momento e uma parcela extremamente considerável defende que eles não existem.

E eu?
Milagre é substantivo masculino e levando-se em conta diferentes dicionários, podemos concluir que o conceito explica aquilo que é raro, um fato maravilhoso onde acontece toda suspensão das leis naturais, um milagre é operado por forças sobrenaturais.
Não é fácil acreditar em milagres, é preciso um esforço muito grande, é necessário abrir mão de convicções enraizadas na razão. É fundamental sentir e acreditar demais e já não temos tanta facilidade em tal proeza.

Se eu acredito em milagres?
Só nos preocupamos com milagres quando nada mais podemos tentar, quando as explicações não se justificam, só vemos os milagres cotidianos quando o tempo não é mais essencial na desenvoltura de nossas vaidades particulares e sociais.
Não há melhor época para pensar em milagres do que na primavera, durante esta estação, eles estão aflorados, os micros milagres do renascer, renovar, do verde cobrindo o cinzento de até então, da luz se propagando até o mais íntimo dos cantos escuros que insistimos em manter. São breves meses para tanta transição, do silêncio vazio para a alegria barulhenta dos bichos e das pessoas felizes, das angústias solitárias, encolhidas em busca de se aquecerem para a confraternização das horas mais lentas com aqueles que nos fazem bem e são brisa refrescante.

E os milagres?
Acordar e ter vontade de abrir a janela, respirar fundo e encher os pulmões de esperança, vê-los dormindo, descansando e saber que não estou só. Caminhar pela casa e sorrir só para mim, sabendo que tudo é possível mesmo que eu não possa nada. Só esperar.
Meu silêncio foi humilde oferta, dízimo para a natureza que quis me presentear. Entender, eu ainda não entendi, não sei explicar. Minha alma e ventre cheios de vida mesmo diante da impossibilidade que me é imposta é um milagre? É o que me dizem quando ficam sabendo.

Eu?
Nada sei, não posso viver a espera de um milagre, mas estou vivendo a cada dia o milagre da espera, como já vivi há dez anos e sou feliz. Acolho meu presente todas as manhãs com um afago e um abraço e a cada dia seu abraço me alcança mais.
Decidi diante desta surpresa da natureza não mais me angustiar com o que não posso decidir. Estou cuidando de meu presente e o amando a cada dia com a confiança do que é eterno. Está no brilho dos meus olhos a evidente felicidade de estar habitada.

Sônia Gabriel

Coluna Memória - Mistérios de São José dos Campos.

Saiu no Jornal Valeparaibano, nesta terça-feira (28/10/2008), uma matéria sobre os Mistérios de São José dos Campos. Contei alguns que aprendi durante a pesquisa para o livro Mistérios do Vale. Se tiverem oportunidade, leiam. Para quem não tem acesso ao jornal é só entrar no site: http://www.valeparaibano.com.br/.

Paz e bem!
Sônia Gabriel

Matéria
Coluna Memória, acesso em 12/11/2008.
Quem já não teve medo de dormir sozinho depois de escutar uma daquelas histórias de prédios e locais mal assombrados? Transmitidas de geração para geração, as lendas urbanas estão presentes na história de alguns prédios de São José dos Campos e, muitas vezes, são utilizadas como ferramenta para contar as características de uma época. "É algo que provavelmente nunca vai morrer. Essas histórias se mantém mais vivas entre as crianças e os idosos e é do encontro dessas duas gerações que conseguimos manter viva essa oralidade", afirma Sônia Gabriel, pesquisadora de manifestações culturais populares.Um dos prédios joseenses que guarda essas histórias é o Teatro Municipal. Segundo Sônia, funcionários e técnicos do local afirmam escutar barulhos misteriosos nas cochias. "Também há relatos de que luzes se acendem e apagam de repente e poderiam ser a presença de antigos artistas ou visitantes que passaram pelo teatro", conta.Duas escolas de São José, no bairro Santana, também guardam histórias misteriosas. Uma delas é a Escola Rui Dória, na qual os estudantes contam que uma freira assombra o local andando à noite com uma lanterna ou uma lamparina na mão. "Diz a lenda que ela não gostava que deixassem as luzes acesas, por isso saía apagando", lembra Sônia.A figura da freira surgiu, segundo a pesquisadora, porque o prédio já abrigou uma Escola Paroquial com cursos noturnos. "É conhecida como o 'Fantasma da Freira'".Já a Escola Santa Paraíba, também em Santana, é conhecida pela assombração de índios. Segundo a lenda, o prédio já teria funcionado como um cemitério de índios. "É um prédio muito antigo e os estudantes ouvem esses barulhos", conta a pesquisadora.Ainda sobre o bairro Santana, Sônia lembra da lenda de Nhá Ritinha, que morreu em um antigo casarão do bairro. De acordo com a história, o pai de Nhá Ritinha, conhecido como Nhô Chico, providenciou um casamento para a jovem quando ela tinha 14 anos. A menina se casou com um dono de tropas de mulas e, insatisfeita com os maus tratos e a agressividade do marido, resolveu voltar para a casa do pai que, para surpresa da sociedade da época, a aceitou de volta. "Para afastá-la da cidade, o pai construiu um casarão na região de Santana, onde a jovem acabou morrendo de tristeza, debruçada na sacada do sobrado", conta Sônia.Anos depois da morte de Nhá Ritinha, moradores do bairro diziam ver, no final de tardes cinzentas, a mulher debruçada na sacada do casarão, com a mesma juventude de seus 14 anos.A pesquisadora também conta que a construção da Igreja São Benedito está relacionada a uma antiga lenda. O responsável pela obra, em meados de 1870, se chamava Zé Taipeiro. "Dizem que, por falta de dinheiro, a construção teve que parar várias vezes e a igreja chegou a ser inaugurada sem ser terminada".A lenda em torno da construção do prédio conta que um lavrador conhecido como João Ribeiro, do bairro Jaguari, estava reformando um velho casarão quando, ao quebrar uma das paredes, descobriu um panelão de barro enterrado com muitas barras de ouro. Diante da sorte, Sônia conta que o homem resolveu agradecer a Deus por meio da doação do dinheiro para o término da construção da igreja.
SÃO FRANCISCO - No distrito de São Francisco Xavier, a lenda não gira em torno de um prédio, mas sim de dois vultos de padres. Um deles, que teria sido assassinado por uma mulher como vingança, já foi visto por moradores em sua cadeira de balanço na casa em que morava na rua 13 de Maio. O outro padre que, segundo a lenda, tinha origem espanhola, continua rezando um terço durante as noites em busca de uma imagem perdida de São Francisco Xavier.

sábado, 25 de outubro de 2008

Um Vale de Livros: Conceição Molinaro

Continuando com nosso Um Vale de Livros, vamos anotar os livros da Conceição Molinaro.

Tive o prazer de conhecer a Conceição Molinaro, há alguns anos, num evento em Lorena e ficamos apaixonados (eu e o André) pelos livros dela. Primeiro, pela riqueza de sua pesquisa e claro, pela beleza de sua escrita. Abaixo algumas capas para vocês ficarem com aquela "agüinha" na boca e loucos para serem crianças novamente. Conceição Molinaro escreve sobre a turma do Sítio do Picapau Amarelo. A danadinha tem o privilégio de morar próximo ao Sítio do Visconde, lá mesmo! Em Taubaté, imaginem...
Leiam, dividam com adultos e crianças as aventuras que ela tão bem cria. Seus livros são um presente para cada um de nós.
E a pessoa da Conceição Molinaro é de uma beleza que vale a pena desfrutar.
Saibam mais sobre nossa escritora no:

www.concemolinaro.com

Há um link ao lado também, seus livros são encontrados em todas as livrarias, são publicados pela Editora Globo. Contato com a autora: concemolinaro@netscap.net.
Divirtam-se...




quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Crônica: A menina mais bonita do mundo

(Tarde de chuva. Foto minha, Conceição dos Ouros -MG, em 2008)

“A Menina mais bonita do mundo”

Quando tive a notícia que a primeira de meus sobrinhos (ao menos filhos de meus irmãos) tinha nascido, lhe desejei como presente, que fosse forte e decidida, pois este mundo ainda deve muito às mulheres.
E como nos contos de fadas quando elas presenteiam, elas o fazem mesmo.

Thais, “a Menina mais bonita do mundo”, é assim mesmo: forte e decidida, mesmo aos cinco anos de idade, e como é interessante observá-la.

Como qualquer ser humano que ama os seus, sei de seus defeitos, mas suas qualidades também gritam.

Thais reinou absoluta ao lado do primo até há algum tempo, todas as atenções eram apenas para os dois, daí começaram a chegar os primos menores, literalmente; a família foi crescendo, mas seu espaço tomou rumo inverso. Ela tem lutado para se manter e o faz com muita determinação e charme.Inventa brincadeiras, propõe diferentes estratégias de diversão, mas os meninos não têm se interessado.
Pensa que ela se joga num canto e lamenta? Que nada! Chama quem estiver por perto, insiste, junta os lábios naquele famoso bico vermelho contrastando com a pele alvíssima, de bochechas rosadas, cabelos longos (de tanto ela comer couve) e olhos verdes ou azuis, nunca dá para saber com exatidão. Eu disse, ela é “a Menina mais bonita do mundo”.

Em suas investidas para arrumar alguém para brincar na sua família paterna, tenho exercitado minhas histórias. Já lhe emprestei colar com cristal mágico, ela é muito vaidosa, como toda bailarina, minha pequena Ana Botafogo. Já lhe revelei que a pequena mata próxima de minha casa é repleta de cucas, caiporas, sacis, príncipes e princesas, cavaleiros, fadas e ogros.Seus olhos brilham, ela escuta e exige silêncio dos meninos.

Mas da última vez foi muito interessante. Semana passada, estávamos numa reunião em minha casa, ela visivelmente contrariada com os meninos. Não a deixavam brincar, os tolinhos. Não tinha brinquedo para ela, eu tinha que dar um jeito, ela determinou. Sentou-se no sofá próximo ao aparador e cruzou os braços. Sentei ao lado, fiz cara de quem estava inventando coisa, estiquei o braço até o aparador e peguei uma chave antiga e um candeeiro, ambos presentes de uma fada. Fiz gesto de silêncio, afinal ali se revelaria um segredo. Aproximei-me dela e falei baixinho: “Pegue a chave assim, com mãos firmes, veja a fechadura no ar, olhe bem, ela está aqui na nossa frente, abra a fechadura, assopre o candeeiro uma única vez, forte. Pronto, a porta se abriu, está vendo? Estão todos ai: fadas, gnomos,animais falantes, reis e rainhas...”.

Seus olhos se arregalaram, ela tomou a chave de minhas mãos e respondeu baixinho: “Estou vendo”. Nisso vieram os meninos correndo, se jogando pelo tapete, se embolando em combates e ela se distraiu e se aborreceu, colocou a chave e o candeeiro no aparador e sentou com bico e tudo no sofá.

Perguntei se queria que eu convidasse a filha da vizinha para brincar com ela, afinal têm quase a mesma idade, ela aceitou, a amiguinha veio trazendo um baú de bonecas e pensei que não dava para concorrer com a Barbie para sempre.

Quando já estava saindo da sala e levando os meninos para outro cômodo para que elas tivessem espaço para brincar, a vi levantar-se ligeira e pegar a chave e o candeeiro e passar para a nova visitante o ritual que eu acabava de lhe ensinar.

Ainda estou salva...

Sônia Gabriel

Crônica: Sonhos em Papel.

(Três Neguinhas, fotos: André P. Gabriel, próximo São Bento do Sapucai -2008)


Sonhos em Papel


Tive um sonho estranho, categoria pesadelo mesmo.
Eu explodia depois de escrever algumas cartas. Foi tão real que senti nitidamente o corpo inchar, a explosão aliviar a alma e o sangue que depois jorrou.
Eu, apesar de protagonista, podia ver tudo, inclusive as cartas escritas antes do fatídico final. Muito constrangedor assistir ao próprio "Fiat Lux".


Quando acordei, extremamente assustada, só conseguia pensar nas cartas. Nem tentei entender o motivo do pesadelo. Dormir depois do almoço, sem o hábito de fazê-lo, pode ser um deles; preocupações com o que não depende de mim, também.
Mas o pesadelo em si não é a questão. Estou intrigada com as cartas. O que será que escrevi ali? Eram tantas as páginas espalhadas, a tinta intensamente azul a ponto de eu recordar. A caligrafia forte, inclinada, irregular, como a de todos aqueles que têm urgência, que pensam rápido demais. Já conheceu algum pensador, médico, jurista, escritor com caligrafia pedagógica? Eu ainda não.
Adoro esta indagação quase que querendo ser uma constatação. Afinal, minha vaidade se restringe diante de minhas mal formadas letras.


Mas voltando as cartas, já escrevi muitas na vida.
Desde que me reconheça como escriba, escrevia para minhas primas de Minas Gerais, para Irmã Dallaste em Atibaia, para meus amigos de Jacareí (quando vim morar em São José), sim, já houve um tempo em que era mais fácil enviar cartas para Jacareí do que ir até lá.
Já escrevi cartas para meu pai depois que faleceu, para meu filho antes que nascesse e para meu amor antes que se consumasse.


Escrevi até mesmo uma carta para mim, aberta quase dezesseis anos depois de escrita e guardada de acordo com orientações de Balzac.


Com o advento da tecnologia diminui as cartas, infelizmente. Mas de vez em quando ainda faço o mesmo ritual: aconchego-me numa cadeira, organizo o espaço na mesa, ajeito duas ou três folhas em branco e as inclino e com uma saborosa sensação de antigamente deixo a caneta macular o papel. São letras, palavras, frases que o preenchem e dão vida, cor e uma harmonia pouco compreensível para quem absorveu totalmente teclados e telas.
Dobro as folhas com dois vincos e guardo sempre em envelope lacrado. Nem sempre envio. Não sei dizer por qual motivo.


Mas o fato é que ainda estou intrigada: o que tanto escrevi antes de explodir? Como saber?
Bom, é hora de caminhar um pouco, estas páginas todas, deixo por aqui...


Sônia Gabriel

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Entrevista sobre Educação


Foi publicada uma entrevista no Vale Educação (Jornal Valeparaibano, 12 de outubro de 2008, suplemento Vale Educação)
A responsabilidade dos mestres
Por Daniela Borges
Gostaria que lessem e partíssemos para o debate, é importante, é assim que crescemos e nos fortalecemos, detalhe: ISTO NÃO É RESPONSABILIDADE SÓ DE QUEM ESTÁ NAS SALAS DE AULAS, TODOS QUE SE ENVOLVEM COM CULTURA POR CONSEQUÊNCIA É FORMADOR DE OPINIÃO.
Espero por vocês.
Paz e bem!
Sônia Gabriel
"as vésperas do Dia do Professor, educadora Sônia Gabriel fala dos desafios da profissão por Daniela Borges Na próxima quarta-feira comemora-se o Dia do Professor. Em meio a discussão sobre os responsáveis pelo baixo desempenho da educação no Brasil, a figura do professor mantém a sua imagem como referência ideológica da luta por uma educação de qualidade, apesar do aparente desânimo de alguns. Especialistas do mundo todo concordam em afirmar que nas mãos dos professores está o desempenho dos alunos. São esses mestres, juntamente com os pais, os responsáveis pela formação do cidadão do futuro.Mesmo com a baixa remuneração, falta de estrutura e alunos desinteressados, há exemplos de professores que não perdem a motivação e a dedicação, e encaram as dificuldades como desafio..."

Crônica: Considerações Femininas, Jornal Zona Sul Agora.


Considerações femininas

(Publicado no jornal Zona Sul Agora em agosto de 2000)


Uma nota a nós mulheres “comuns”...
Quando, quase por um milagre, nos sentamos para ver televisão, escutar rádio, ler uma revista, um jornal (afinal entra século, milênio e alcancemos vitórias, ainda acumulamos funções), nos deparamos com um bombardeio de propagandas que se propõem a nos ajudar a sermos as mulheres ideais: são cremes, para aumentar ou diminuir, levantar, tingir, enrijecer, amaciar. Cintas, aparelhos, pílulas, sucos miraculosos, enfim uma parafernália que nos permitem não aceitar quem realmente somos.
Onde está a mulher comum? Não pejorativamente. A pessoa, simplesmente. O ser.
A mídia e o mercado dos produtos miraculosos nos dividiram em opostos específicos: gordas e magras (leia-se magérrimas, beirando a deformação), altas e baixas, velhas ou novas, lindíssimas ou feias, capas de revistas e as outras.
Lembro-me da indignação com que fiquei há alguns anos quando, assistindo um programa matinal, uma famosa especialista em moda e etiqueta afirmou que as mulheres magras são melhores cabides. Cabide?
A maturidade nos traz grandes benefícios. Ninguém em sã consciência vai fazer apologia à obesidade. Gordura não é saudável e isto é de consenso social, mas daí a sair fazendo qualquer coisa para encaixar-se num padrão de senso duvidoso há uma justificável distância.
Somos mulheres. Estudamos, trabalhamos, amamos, casamos, geramos filhos e idéias, pensamos. Pensamos! O conhecimento é a nossa maior ferramenta, não nossa maior arma. Autoconhecimento.
A vida e a natureza não são estáticas, nós não somos. O tempo passa e a beleza reside aí, na possibilidade da mudança.
Ter vaidade e saúde é importante em todas as fases da vida, mas assistir meninas de dezesseis anos angustiadas porque querem colocar silicone e fazer lipoaspiração é um pouco demais, não?
Somos mulheres, não somos cabides. Nós não temos que nos preocupar em ficar bem na roupa, a roupa é que tem que ficar muito bem em nós. Somos mulheres. E mulheres, até onde eu ainda sei, têm seios, bunda, quadris, curvas...
É da nossa natureza, são nossos atributos para a sedução, para o sexo, para a vida. Não somos pouca coisa. Não somos clientes em potencial para um mercado imoral.
Se estereotipar, perdendo a consciência de quem somos, e, em qual fase da vida vivemos é um crime que cometemos conosco mesmas e é tão perverso quanto o machismo que nos é imposto.
Tenhamos 15, 20, 30, 50..., no corpo e na alma, isto é consciência de si; cada fase da vida tem seus encantos e quem respeita sua natureza e a conserva com vaidade crítica e saúde permanece bela e feliz em todas as maravilhosas etapas de sua vida.
Pense nisso.
Se o dia Internacional da Mulher já foi confiscado pela mídia e pelo mercado, se está se tornando mais um dia para ganhar lembrancinhas e flores na fila do banco, na porta do supermercado (aliás, muito apropriado), nós ainda precisamos refletir muito sobre nossa condição de mulheres.
Este ano, sugiro esta reflexão.


Sônia Gabriel

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Opinião- Jornal Valeparaibano 01/10/2004


O que me espanta é a atualidade do que registramos há tempos.


(Publicado no Jornal Valeparaibano)


Está chegando a hora

Todo ser humano é político. Frei Betto diz oportunamente que “quem tem nojo de política é governado por quem não tem”. O “nojo” que muitos têm em relação à política não se refere diretamente a ela, mas a quem a pratica.
Política é a arte de bem governar os povos e é também, por definição, a habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção dos resultados desejados. Nada mais oportuno. E creio que aí resida o fato histórico do brasileiro se relacionar com um certo asco com a política.
No Brasil, por uma questão educacional, a política não é ensinada, como deveria, nas escolas, não é discutida em casa e quem o faz corre o risco de ser isolado do grupo, estereotipado de chato, acusado de perder seu precioso tempo. No entanto, os políticos são assunto constante. Os políticos se tornaram “a política”, e assim, por efeito de uma causa mal administrada, não sabemos política.
Todo ser humano é político. Faz-se escolhas durante toda uma existência e nem todas elas dizem respeito somente a nós mesmos. A vida em comunidade é a regra mãe da sobrevivência humana. O homem é o mais frágil dos seres, por isso a coesão se faz necessária mesmo que sejamos tratados como falanges sem lume.
A coesão com propósito é a força de um povo. Nosso receio em relação à vida política foi habilmente forjado desde nossa infância enquanto brasileiros.
No Brasil Colônia nossos administradores já davam conta da exploração sob a designação de Homens Bons, eram aqueles que possuíam mais recursos e influência os que respondiam por tal alcunha. Em um país que sempre viu a desigualdade imperar é fácil compreender porquê tão poucos dominam a arte da política.
Após a independência veio a luta pelo voto, luta esta que apesar de manifestar-se pela participação popular eram sempre encabeçadas pela elite (fazendeiros, jornalistas, intelectuais, advogados...) que dispunha de mais conhecimento em busca de seus interesses particulares.
No decorrer de nossa História serão muitas as lutas pela participação política, a república, o voto feminino, a extinção do voto de cabresto. Notaremos a condição dos excluídos: ou não vota ou necessita de “auxílio para votar”, afinal não têm como fazer as escolhas certas; maridos, empregadores, fazendeiros se encarregaram de direcionar o sagrado direito de escolha de modo a não atrapalhar o propício desenvolvimento da nação. E luta-se pelo voto secreto.
Na impossibilidade da interferência direta assistimos ao vertiginoso desenvolvimento da publicidade política, campanhas eleitorais milionárias, valendo-se de técnicas sofisticadas de convencimento de nós eleitores. Somos homens, mulheres, analfabetos, jovens com menos de dezesseis anos que podemos e devemos votar, é direito do cidadão participar, mas continuamos a não saber a arte da política. A de bem governar os povos.
Diante da falta de conhecimento o voto se tornou mercadoria, é trocado por cestas básicas, cirurgias, materiais de construção, a legalização de um terreno, remédios... E a mídia, escandalizada denuncia, aponta, tudo superficialmente, durante as campanhas políticas, de dois em dois anos. Não há como condenar aqueles que pensam que talvez a única coisa que conseguirão de seus candidatos é o que necessitam de imediato. Não sabem, assistem coligações de ocasião, políticos profissionais desmantelarem nossas mais profundas ideologias; desconhecem seus direitos, e principalmente seus deveres de cobrar, vigiar, interferir, não aprenderam, e não aprenderam porquê ainda se dissemina (para o nosso inconsciente coletivo) que gosto, religião e política não se discutem...
Mas se lamentam!


Sonia Gabriel