Toda menina é uma princesa, eu amava as bruxas e feiticeiras, eram muito mais charmosas e espertas, não entendia porque as princesas não podiam também encantar. Passar a vida só desencantando deveria ser uma chatice. Amei a Moura Torta e tive pena. Por que não podiam amá-la, mesmo sendo feia? Amei a Iara, como não amá-la tão bela? Maluquices da menina que fui. Toda menina quer ser seguida por um séquito de súditos e eu queria seguir a Banda. Assim mesmo, não as bandas, a Banda, substantivo próprio. A Banda é uma personagem de grandeza nas histórias que eu assistia do morro distante. Ela nunca passou na minha rua, nunca parou diante de minha casa. Eu tinha que segui-la, se a quisesse. Eu cantava a música, feita para a Banda, de cor.
Neste domingo derradeiro, quando vi a Banda entrando no jardim, se colocando no gramado tão delicado e diante do rio Paraíba do Sul, tocar... Não vi mais ninguém. Todos foram sumindo... Eu me vi, lá perto da roda gigante, miúda, de cabelos compridos e olhos arregalados. Vi-me menina de oito anos, com vestidinho de alcinhas que minha avó fazia. Notei-me encabulada só um pouquinho. Vim andando em minha direção, juntava as mãozinhas e batia palmas enquanto o maestro dançava os braços pelos ares. Senti o que ela pensava. A Banda, naquele momento, era só nossa. Estava tocando só para nós duas.
Eu fiquei ali, olhando para mim, me admirando menina tão faceira, tão sonhadora, tão pobre e cheia de esperanças. A menina também não tirou os olhos de mim, sorriu e me disse: “Não falei que um dia a gente voava?”.
Balancei positivamente a cabeça, pisquei para ela, enquanto uma lágrima rolou de meu olho depois do movimento. Ela saiu dançando ao som da Banda, eu voltei aos meus.
Nós duas estamos muito felizes.
Paz e bem!
Sônia Gabriel
A Banda de Santana tocou no lançamento da segunda edição ampliada do livro Mistérios do Vale...