(Jornal de Caçapava, 17 de julho de 2015.)
Estava terminando de fotografar um vasinho improvisado, com cinco flores amarelinhas, quando lembranças vieram precedidas por um sentimento de gratidão. Há algum tempo, não escrevo com tranquilidade dada a correria do trabalho e os constantes estudos, mas quando comecei estas linhas necessitei do tempo mais consistente, pois para viajar por ele não cabem o artificial e as banalidades que insistem em nos tirá-lo. Um tempo proveitoso que ao cabo da missão nos sentimos repletos de satisfação. Nesse espaço de tempo que pertence apenas aos que sabem que é possível viajar por ele, encontrei dois amigos queridos: Lua e Poeta.
Zenilda Lua; muitas vezes já escrevi sobre ela e vocês sabem o quanto a Moça das Saias Coloridas está impregnada em nossas rodas de conversa, saraus e andanças pelo Vale do Paraíba. Lua, como era chamada por seu marido e companheiro de poesia, Réginaldo Poeta, realizou, recentemente, um sarau em homenagem ao nosso querido amigo falecido ano passado. Na ocasião, os amigos se manifestaram, mas eu não consegui; não fui ler, declamar, contar uma das tantas histórias que tivemos tempo de compartilhar graças ao aconchego oferecido pelo casal tão iluminado. Estava emocionada e a ocasião era para alegria e eu sei que poderia silenciar um pouco o ambiente. Lua gosta da alegria e eu compartilho disso.
Ao final do sarau, a mediadora do evento Miriam Cris distribuiu aos convidados as flores que Lua trouxe; é de seu feitio distribuir flores, quantas já me trouxe sempre tão cheia de alegria e bem aventurança. Miriam Cris me entregou as amarelas... Aqui chegamos à fotografia. Minha paixão pela fotografia fez com que eu não resistisse à singeleza da cena. Uma garrafinha de leite de coco, pois o Poeta fez um dos peixes mais saborosos que já experimentei... Na janela da cozinha com um cantinho da cortina de renda, tão nordestina como Lua e seu Poeta, com vistas para a secura desses dias sem chuva manifesto no vidro da janela e, lá fora, o varal com a cobertinha antiga dos remanescentes presentes do casamento há 22 anos...
A foto amadora trouxe-me a antiga morada do casal sempre com as portas escancaradas para os amigos e qualquer solicitante que, claro, se tornaria amigo. Recordei das tantas vezes que o Poeta, entre suas atribuições do trabalho e nos cuidados da família, arrumava tempo para nos ajudar a fazer os convites virtuais, as capas de cordéis, as divulgações dos eventos literários e educacionais. Para o Poeta, poesia era viver entre amigos, compartilhava suas ideias sem receios, se alegrava com o sucesso de todos, divulgava nosso trabalho, presenteava com nossos livros... Já em tratamento e tendo todo o direito do mundo de se reservar e cuidar de si fez convites para o lançamento do meu livro “Ventos Antigos” e, naquele sábado vermelho, lá esteve; presenteou-me com um disco do Lulu Santos, entregue por Lua. Acarinhava-nos e às nossas famílias que se encantavam por ele, pois era evidente que era bom amigo e bom pai de família.
Zenilda Lua, aqui ficam as minhas palavras que não brotaram naquela tarde de sábado, fica também a minha gratidão por ter feito parte dos que entraram pela porta daquela morada onde do encontro entre a Lua e o Poeta nasceu a Brisa. Minha gratidão é um botão entre as tantas flores que já me presenteou com essa generosidade característica dos que têm no olhar a esperança sempre nos consolando. Mais importante que as ideias, que as palavras, que os livros é a poesia da amizade, essa que só nasce onde impera a verdade e o amor. Suas moradas são jardins de poesia.
Paz e bem!
Sônia Gabriel