terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Gente


Gente
(Publicada no Jornal de Caçapava de 26 de novembro a 03 de dezembro de 2009)

Certo artista escreveu que anda cansado, me pareceu necessitar de um pouco de ostracismo.
Gente demais sufoca. É muita energia, nem sempre boa, muita carga emotiva e de quando em quando é impossível desligar-se e conviver na justa medida. Nestes momentos, a solidão pode ser singular companheira.
Sempre estive cercada de gente, escolhi trabalhar e criar envolvida por tal matéria-prima. Assim sendo, tenho que estar preparada para tudo.
Nem sempre consigo explicar-lhes ou me explicar atitudes que transcendem o bom caráter.
E a gente fica pensando e até externa baixinho: “Como é que pode?”
Tenho visto de tudo: o veneno que escorre pelos olhos esguios de quem não suporta a paz e a felicidade que invadem os outros, o cochichar característico de quem quer ferir seu semelhante porque se incomoda sabe-se lá com o quê. E só quem se dispõe a estas cenas pode justificar a escolha do papel.

Tenho cá minhas hipóteses: o individualismo da sociedade moderna. Todo mundo trabalha muito, a necessidade de consumismo, de TER cada vez mais, tem deixado pouco tempo para SER um pouco mais. Falta tempo com a família, faltam afeto e cuidados. Falta a abundância da vida. E como ainda não é possível comprar tudo, tem muita gente com um vazio que dinheiro, carreira e status não preenchem.

Quando a gente escreve, desenvolve um bendito de um ouvido e de uma visão que chegam a nos ferir, já que nem tudo se permite filtrar e digerir.
Haja tempo para fofocas, maledicências, arrogâncias, intolerâncias, abusos de poder (que acham que têm) e tantos outros males que nos assolam diariamente.

Sábia era dona Firmina: “É tudo casca, bem. Gente sozinha, falta sentimento.”
Deve ser.
Não tenho dúvidas: a vida é um parto.

A tentação de nos isolarmos é sedutora, mas como nos humanizarmos sem a presença de outrem?
As pessoas são imprescindíveis, não nos humanizamos sem elas. São e estão para nosso bem e nosso mal, fazem parte de nosso crescimento.
A cada dia, vejo incontáveis motivos para desistir da convivência e quando estou quase desanimando do ser humano e por tabela de mim (a não ser que achemos que estamos acima da raça), vem um fato, uma verdade, uma pessoa e às vezes uma pessoinha e renasce aquele enorme e incondicional amor que temos por nós mesmos e pelos outros também.
Há gente de tudo quanto é forma, jeito, cheiro, aparência; não há como não conviver, mas é preciso muita prudência para não adoecer a alma.
Cada qual constrói o escudo que melhor se ajuda às suas necessidades: uns gritam, outros ferem, há ainda aqueles que transferem suas dores para o sagrado ar de todos. Também tenho meu escudo, escolhi o sorriso. Não é pior e nem melhor que as escolhas de meus semelhantes.
Se fosse me prender nas feridas teria desistido de sorrir há anos, resolvi que as feridas é que não me impediriam, não permiti e não permito.
Eu só tenho esta vida; tenho obrigação de me fazer feliz.
Gente! Bom, nós também somos... E por mais que abale nossa vaidade (e sempre dói) somos gente igual a toda gente e só...
Cada qual com seus mistérios, suas dores, suas vitórias e alegrias, mas no fim somos gente, de alma gritante, coração pulsante, mas gente sempre...

Sônia Gabriel

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