sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Os Quintais de nossas vidas


(Jornal de Caçapava, 11 a 18 de dezembro de 2009)

Sempre morei em casas, mas há muitos anos que não tenho um tradicional quintal. Grande maioria das casas de hoje em dia têm sacadas, corredores, varandas, mas não têm quintais. Ainda bem que podemos reconstruir nossos quintais. E aí sacadas, varandas e corredores perdem sua inicial função para ceder vez a este velhinho simpático que é o quintal.
Aos sete anos de idade eu tinha o maior quintal do mundo.
O primeiro cômodo de nossa casa era a sala, quando dela saíamos, encontrávamos a varanda e depois da varanda lá estava ele, o quintal.
Maior que aquele quintal só a rua. Rua dos Gladíolos, dizem que é o nome de uma flor, consciente do fato, nunca vi nenhuma. Ainda quero ver um gladíolo. Voltemos ao quintal. Ele era imenso, de terra, é claro, nada de cimento, nem de pedras, era só terra e tinha algumas plantas, sempre cuidadas por meus pais.
Ali eu imaginei mundos que ainda recordo bem, ali eu sonhei e conversei muito com meu amigo invisível, um anjo. Ali, naquele quintal, tive inúmeras profissões, fui heroína e muitas, muitas vezes a vilã; imaginava que nome daria aos meus filhos, e os lugares pelos quais, um dia eu viajaria.
Sentada em algum banquinho ou no chão mesmo, li meu primeiro livro e por isso plantei um pé de laranja que não tive tempo de saber se frutificou. Nos meus sonhos sim, e teve a maior sombra de todos os pés de laranja do mundo.
Naquele quintal eu criei personagens que me acompanham até hoje, naquele quintal eu aprendi que ser feliz é simples.
Quando, por motivos de adultos, precisamos nos mudar pensei que nunca mais teria um quintal assim, me enganei. Meu quintal sempre me acompanhou. E continua pacientemente a me acompanhar, mesmo quando retornei para revê-lo e percebi que não era tão imenso quanto eu me lembrava, nem ao menos era grande, virou uma pequena garagem, fiquei por muito tempo sorvendo o quanto o sentimento de uma criança nos molda para a vida toda.
A constatação da proporção não me impediu de continuar a vê-lo imenso.
Os quintais de nossas vidas são nossa essência. Preserve-os com o cuidado de quem guarda a última tocha de fogo, o último cantil.
Mas afinal o que me fez viajar por meus quintais? Uma festa num quintal. Que bom que alguém manteve seu quintal. Estive neste quintal simples como era o meu, maior, bem maior do que era o meu, cheio de vida e de vidas que me pareceram de vez em quando passarem por ali para buscar seus próprios quintais, assim como eu.

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