segunda-feira, 10 de abril de 2017

Crônica: As lições de Raíra


Quando Raíra foi minha aluna tinha quinze anos e estudava numa escola pública da Zona Norte de São José dos Campos – SP. Fazia preparatório para pleitear vagas em escolas que queria estudar, assim como muitos jovens da região. Mesmo se dedicando tanto ao estudo e alcançando notas de acordo com seu empenho, Raíra não se encaixava no dito estereótipo CDF. Quando eu era estudante do Ensino Fundamental, alunos como ela, eram os chamados “chatos da sala”, sempre com ar de que estavam entediados em conviver com aqueles que consideravam menos inteligentes. Quantas memórias hilárias tenho disso! Raíra contraria, desconstrói o pretenso padrão pedante.
Como toda adolescente saudável, tem expectativas e alegria de viver, apesar das angústias próprias da idade.  É uma menina belíssima, dona de longos cabelos negros.  Foi muito bem-educada por sua família. É organizada, caprichosa, delicada, inteligente, comprometida. Possui uma fala mansa e simpática.
Era amiga de todos na minha sala de aula. Isso me inspirou essas linhas numa manhã em que a observava em ação mediando um conflito, mínimo e engraçado, de questões amistosas entre dois colegas. Raíra conseguia algo incrível na vida escolar: ser unânime. Algo que estudantes, professores e gestores raramente alcançam, aliás, algo que pouquíssimos seres humanos conseguiram ou conseguirão. É um dom dela ser amável.
A turma em que ela estudava a respeitava de forma encantadora. Raíra jamais alterava a voz, mesmo quando, ajudando seus professores, lhes pedia silêncio ou atenção. Sim, era uma turma difícil, com muitas questões; eu mesma, muitas vezes, recorri ao talento natural (para agregar amigos) da mocinha para me aproximar dos alunos em questão. Ela arrasa no quesito humanidade.
De vez em quando, eu me pegava rindo, balançando a cabeça, me rendendo ao fato de que havia momentos em que a atuação da mocinha de estatura mediana, olhos castanhos e com sorrisinho discreto conseguia, o que eu não, com tanta delicadeza.
Já não estudo com ela, pois neste caso, em alguns momentos eu fui aluna dela. Ela está galgando mais um degrau para seu sucesso inevitável, carregando as características já descritas. Será sempre o orgulho dos seus pais, a alegria dos seus amigos e uma adorável recordação para esta professora aprendiz de escriba. Recordação da bela menina que sempre que terminava suas lições e não estava ajudando alguém, abria algum livro que trazia na mochila e me sorria carinhosamente.
Paz e bem, Raíra!


Sônia Gabriel


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