(Jornal de Caçapava, 01 de agosto de 2014.)
Eu não tenho animais em casa, minha família já teve e sempre me fez muito mal vê-los presos. A liberdade é um bem intrínseco aos seres vivos e não apenas aos que se dizem humanos. Os animais com os quais já dividi minha morada não eram meus; não é da minha natureza nenhum tipo de cativeiro. Aqueles que, nessa vida, ficaram ao meu lado foram apenas cativados.
Quando criança, lembro de que havia um cachorro em nossa casa, quem cuidava era minha mãe. Na juventude, havia outro cachorro que meu irmão insistiu muito para trazer para casa, mas quem cuidava era minha mãe. Depois que me casei, meu sogro presenteou meu marido com (adivinhem!) um cachorro, deixei claro que eu não cuidaria pelo simples fato de trabalhar dentro e fora de casa, mal tinha tempo para cuidar de mim (assim continua, risos) e não acho certo ter o bichinho e deixar sem cuidados. Certa manhã, o cachorro adoeceu e dentro de alguns dias morreu, foi a primeira vez que vi um ser vivo agonizando e suspirar por derradeiro, fiz meu marido prometer que não teríamos mais cachorros.
Quando meu filho era pequenino, não teve jeito, acharam de lhe dar um passarinho, o avô novamente, confesso que quando a coleirinha enchia as manhãs da nossa casa com seu canto, meu coração condoía num misto de apreço pelo canto e dor pela prisão. Poucas coisas são tão tristes quanto ver um pássaro cantar dentro de uma gaiola. Um dia, quando estranhei que a manhã havia nascido sem o canto da coleirinha, notei que a ave havia sumido e alguns dias depois confirmamos que a filha da vizinha, com sete ou oito anos, havia pulado o muro da nossa casa e aberto a gaiola. Não consegui ficar brava.
Não demorou muito, um amigo, penalizado pela tristeza do meu filho, enviou outra coleirinha que o menino tratou de batizar com o mesmo nome da anterior. Durante quase dois anos, lamentei pela prisão da cantora que embalava as manhãs, assim que alguma torneira da casa fosse aberta. Esta morreu de velhice, eu acho. A partir daí, não permiti nenhum outro bicho em cativeiro aqui em casa. “Quando tiverem suas casas, vocês terão seus animais”, reforço. É de meu íntimo, não consigo. Tenho pela natureza o mais profundo respeito e associo o respeito ao direito de liberdade. Por isso admiro os gatos, apesar de não ter nenhum. Eles vão e veem conforme querem, sempre tinhosos e livres.
Cada um sabe o que deseja por companhia e como pertencer ou se apropriar dessa presença; eu não aprendi a me relacionar com os animais em vida doméstica. Também nunca tinha me atentado para essa reflexão. O que me trouxe a essas linhas então? Um fato corriqueiro...
Quando minha filha esperava a entrada do balé, uma mãe chegou com sua criança e um cachorro totalmente adornado, minha filha se assustou, não quis que o animalzinho a lambesse, dei-me conta de que devido minha posição e a falta de costume com animais domésticos, ela teve receio de se aproximar; por alguns instantes preocupei-me, mas então recordei o quanto ela admira e curte os bichos soltos na roça, sosseguei.
Ela vai se acostumar com minhas considerações e terá espaços para ter as suas, mas eu confesso, vou insistir para que ela respeite a liberdade de todos os seres vivos. Se escolher a companhia de algum bichinho, que não compre, pois como comercializar os seres que tanto dizemos que amamos? Como comprar um filhote de cão, sabendo da crueldade cometida com as fêmeas usadas como matrizes? Pobres descartadas, pelas lojas e clínicas, assim que não conseguem mais reproduzir. Também vou ensinar a não torná-los reclusos e solitários, acho muito triste. Conheço pessoas que os deixam amarrados na coleira, o dia todo, presos em apartamentos à espera do momento em que seus donos (propriedade?) possam lhes fazer um afago.
Há muitas considerações e poderíamos passar dias discutindo sobre os benefícios (nossos) e não benefícios (para muitos cachorros) a respeito do tema, mas há que se concordar que são os cães seres especiais que acompanham os seres humanos há tanto tempo que já perdemos a memória coletiva de como essa amizade começou. As teorias são muitas, os costumes alteram-se de acordo com lugares, estilo de vida e condição financeira, mas permanece o laço afetivo daqueles que se aconchegam para além das diferenças de espécies.
Sônia Gabriel
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