(Jornal de Caçapava, 12 de dezembro de 2014.)
Você já parou
para contabilizar quanto tempo perde da sua vida? Parece loucura fazer esta
pergunta, não é mesmo? Como saber algo assim? Se alguém já conseguiu fazer esse
cálculo, me ensina. É eu também não sei, mas tenho nos últimos anos tentado não
desperdiçar vida... Satisfeita, iniciando minhas tradicionais reflexões do
final de ano, descubro que tenho conseguido. Ainda é pouco, mas tenho
conseguido não ficar no mesmo lugar.
Desde que passei
por uma gravidez de risco, consegui melhorar muita coisa em mim, um lapidar
lento, às vezes doloroso, mas que no resultado concreto, cotidiano, inicia-se
um vislumbrar do brilho da pedra. Somos pedra bruta, todos nós! Se não nos
lapidamos não conseguimos ver que o outro também é matéria em processo de
lapidação. Se nos mantemos brutos, olhamos apenas para a casca do próximo. O
tempo utilizado em nossa própria lapidação é contabilizado como ganho que
reluz; iluminação que traz para nossa alma leveza e serenidade para os
enfrentamentos do cotidiano. Conviver com a escuridão é um sofrimento que tende
a forçar a luz alheia a diminuir diante do nosso olhar acostumado com a
penumbra. Sair em busca da luz não é fácil, há um preço. O preço de nos vermos
também e nem sempre o que vemos é bom, nem sempre o que vemos em nós nos
alegra.
Lutar contra
tudo o que reforça a escuridão é uma decisão interna, tão íntima que ninguém
pode fazer por nós. É uma decisão de amor, primeiramente por nós e ampliando-se
por todos aqueles que fazem parte da nossa vida queiramos ou não. É muito bom
amar os escolhidos do nosso coração, mas os outros não deixam de fazer parte das
nossas vidas só por não serem os eleitos da nossa alma. Os outros estão na
vizinhança, nos parentes, no trabalho, entre os amigos dos amigos, na vida...
Os outros são memória de que somos os outros de outrem...
Não somos tão
especiais que não possamos ver nossos outros, não somos tão desprezíveis que
não possamos ser para os outros. Somos e vivemos. Mas parece que estamos
desperdiçando vida. Respirar, levantar da cama, sair para trabalhar, fingir que
vive não é viver. Viver é o eterno nos encontros diários que acontecem em nós.
Nem sempre esses encontros são como desejamos, mas, não raro, são oportunidades
muito maiores e melhores do que possamos imaginar e para isso o coração não
pode ter porta tão amargamente trancada.
Numa rotina
muito pesada, tendo que passar mais de duas horas por dia dirigindo numa cidade
onde os motoristas estão a cada dia mais agressivos, diminuindo o tempo que
poderia dedicar a mim para dedicar aos filhos, às tarefas domésticas e ao
trabalho estava começando a me acostumar com reclamações e quando me dei conta
disso decidi que essas duas horas teriam valor. Olhei para mim e notei o quanto
sentirei falta quando meu filho, já em idade pré-vestibular, estiver
desvendando outros lugares. Cada vez que a vontade de reclamar, de vitimizar,
de aumentar o que já não está bom vem, eu olho no retrovisor e os vejo
conversando, brincando, discutindo, sendo irmãos. Meu coração se acalma e uma
doçura toma conta dessa criatura imperfeita. Muitas são as vezes que me vejo
sorrindo só por saber que ao menos nesse momento eu não estou desperdiçando a
vida.
Não
conseguimos tudo que desejamos, não vivemos tudo que sonhamos, não somos tudo
que achamos que merecemos ser, mas estamos vivos e queremos continuar vivos,
então vivamos mais e deixemos viver!
Sônia Gabriel
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