quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Algumas histórias enviadas por Neusa Mariano



"Conto de todas as cores

Eu já escrevi um conto azul, vários até. Mas este é um conto de todas as cores. Porque era uma vez um menino azul, uma menina verde, um negrinho dourado e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-íris. Até que apareceu uma Comissão de Doutores - os quais, por mais que esfregassem os nossos quatro amigos, viram que não adiantava. E perguntaram se aquilo era de nascença ou se... Mas nós não nascemos - interrompeu o cachorro. – Nós fomos inventados!
 Mário Quintana





A incapacidade de ser verdadeiro


Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito de queijo, e ele provou que tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante 15 dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Sinhá Epídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o doutor Epaminondas abanou a cabeça : __ Não há nada a fazer, dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
Carlos Drummond Andrade



Para que ninguém a quisesse

Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de salto altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos. Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair. Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras. Uma fina saudade, porém, começou a alinhar-se em seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela. Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite, tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos. Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido numa gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.
Marina Colasanti"



Um comentário:

Mistérios do Vale disse...

Neusa querida, obrigada por estar com a gente em mais um dia de histórias! Obrigada por dividir o que lhe toca o coração!