quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Morada Coralina.



(Jornal de Caçapava, 14 de fevereiro de 2014.)

Em Goiás, em terras coralinas, eu vi a ponte e parei por um instante antes de atravessar. Foi só um instante para que eu pudesse me certificar de que não era sonho, que acordada estava realizando antigo desejo. Do outro lado da ponte, a casa. Na derradeira janela, já indicando o quintal, um busto nos faz sonhar com o tempo em que ela, Cora Coralina, deveria, em alguns fins de tarde, contemplar os passantes, o rio, o tempo caminhando lentamente. Imaginei.
Atravesso a ponte sem pressa, contemplo os olhares de outros, como eu, encantados com a paisagem, esperando para ouvir as histórias da mulher que fazia versos e doces, da mulher que viveu para alimentar. Deslizo as mãos por aquelas paredes centenárias como fiz no Panteão de Paris, na sepultura de Vincent Van Gogh, nas janelas da casa de Eugênia Sereno, nas árvores do quintal de Ruth Guimarães... Penso emocionada na força vital das palavras.
A porta alta, o piso singelo, a cozinha antiga resguardada do novo, a velha geladeira. Observo louças, livros e vestidos adornando as lembranças de mãos tecedeiras de poesia. No quarto, a visão da janela aberta. Fiz questão de me aproximar da mobília, empenhando-me em aproximar da janela aberta. Desejei a visão de Cora.
Um cheiro bom de história inunda cada batente, cada bibelô, cada manuscrito disposto nas caixas de vidro. Cora Coralina é vida na morada centenária que desperta em nós a vontade de sentir o perfume de seus doces, de reler seus livros, de ver a Goiás que ela viu, de percorrer as velhas ruas e becos que a inspiraram. No porão, as minúsculas aberturas de ar são o suficiente para iluminar o passado, caso queiramos vê-lo. Fugindo do porão, um caminho de madeira para levar, ao clarear, água cristalina vinda de longe, fresca, cheia de notícias de antigamente.
Depois da morada de Cora, um andar sem rumo pelas velhas histórias; visita aos casarões e igrejas, verdadeiros museus. Para alimentar o corpo, empadão goiano em restaurante de beira de estrada, atendimento de gente boa de prosa e caprichosa no servir. Faltava apenas as pretas panelas de barro para trazer de lembrança.


Sônia Gabriel


Cidade de Goiás - GO, 2013.



4 comentários:

Heloisa Freire disse...

Não conheço este lindo lugar mas tenho vontade de ir, pois admiro a obra de Cora Coralina e tudo neste lugar nos leva a História.Parabéns pelo artigo , gostei muito.

Bê Galvão disse...

"Penso emocionada na força vital das palavras."

... é o que você me transmite e faz pensar!

Muito obrigada, querida!!!

Mistérios do Vale disse...

Heloísa, vá! Você terá uma experiência única! Obrigada pelas palavras.
Paz e bem!

Mistérios do Vale disse...

Beatriz, é a força que nos move. Você tem este dom da palavra que eu bem sei...
Obrigada pelo carinho e generosidade.
Paz e bem!