sábado, 28 de agosto de 2010

Sílvio Ferreira Leite nos conta uma história...

Este dia está mesmo muito chique! Me sinto privilegiada de compartilhar com gente tão especial. Segue mais uma história para todos nós.

"Oi, Sônia, contei para Viviane, minha mulher, a história da vaca assustadora, que escrevi há algum tempo, e que estava meio esquecida aqui no meu computador. Se alguém tiver paciência de ler, segue anexa.

Boas histórias. E parabéns pela iniciativa.

Sílvio



A VACA ASSUSTADORA

Sílvio Ferreira Leite

Enquanto o sono não vinha, Tiago ficou olhando o quadro na parede do quarto. Nunca havia reparado naquela paisagem bonita. Ela mostrava uma estrada contornando a montanha. E lá ia uma caminhonete com o motorista e duas crianças.

Prestando mais atenção, Tiago percebeu que existia um desenho na porta da caminhonete. Estava escrito “Fazenda Boa Vista” e logo abaixo das letras, uma vaca. A vaca havia sido pintada de lado, mas com a cara virada, de modo que Tiago conseguia ver seus olhos, nariz e boca. Ela sorria e Tiago pensou:

– É estranho uma vaca sorrir. Talvez seja um animal diferente.

A essa altura, nem prestava mais atenção na estrada, no morro, nas crianças. Só via a vaca. E ela parecia crescer, crescer. Até respirava. Tiago imaginou que a barriga dela se mexia. Assustado, resolveu fechar os olhos e tentar dormir.

Durante um bom tempo, ficou imóvel, quieto, procurando o sono no meio dos pensamentos. Lembrou tudo que fizera naquele dia. A briga na escola, a verdura que teve de comer no almoço, o leite que bebeu antes de ir para a cama.

Quando pensou no leite, lembrou-se da vaca. Abriu os olhos. Então levou um susto e soltou um grito. A vaca estava ali, do lado da cama, sorrindo tranquila.

Tiago se levantou num salto, correu para a porta e já ia chamar sua mãe. Aí ficou na dúvida. Como explicar a presença da vaca no quarto? No dia em que trouxe um simples gatinho para dentro de casa foi a maior confusão. Agora seria o fim do mundo.

Resolveu enfrentar a situação. A vaca, sem a menor cerimônia, começou a mascar seu tênis.

– Saia daí, vamos, vá embora! – e cutucava a folgada com uma espada de brinquedo.

Ela nem dava bola. Bola? É isso! Abriu o armário, pegou sua coleção de bolas e atirou uma a uma no animal. Nada. Jogou dois carrinhos, uma caneta e o celular. Nada.

Quando acabou a munição, Tiago ficou um momento sem saber o que fazer. Mas a vaca sabia muito bem como assustar uma criança. Começou a andar na direção de Tiago. Ele se afastou um pouco. Ela se aproximou mais ainda. Ele deu alguns passos para trás. Ela continuou indo para cima do garoto, devagar, mas decidida.

Teve uma hora que parecia difícil fugir. Apertado entre o armário e a parede, Tiago viu aquela cara imensa chegando cada vez mais perto da sua.

É incrível como a vaca tem cara grande. Vista de longe, no campo, não parece. Mas ali, a alguns palmos de distância, era assustadora. Parecia um ET, com olhos brilhantes e dilatados querendo saltar da testa peluda. Parecia um dragão de focinho preto soltando ar quente com cheiro de mofo. Parecia um bicho-papão com a boca aberta e babenta.

Tiago fazia essas comparações com rapidez, enquanto sentia um medo danado, capaz de fazê-lo perder totalmente o controle. De repente, a vaca mostrou os dentes e colocou a língua gosmenta para fora. Tiago pensou:

– Vai me engolir.

Foi nessa hora que o menino notou o líquido quente escorrendo pela sua perna esquerda. Mas não se deu por vencido. Quase por impulso, abaixou-se ligeiro, passou relando no pescoço do animal e pulou para cima da cama. No mesmo instante, percebeu que estava atrás da vaca.

– Será que ela desliga? – conseguiu falar em voz alta.

E resolveu tentar a única ideia que teve. Tomou coragem, agarrou com as duas mãos o rabo da intrusa e deu um puxão. Pronto! A vaca fez puf! e voltou para a pintura na porta da caminhonete. Tiago deitou-se depressa, cobriu a cabeça com o cobertor e dormiu na hora, mais de medo do que de sono.

De manhãzinha, acordou com sua mãe perguntando:
– Que bagunça é essa, Tiago? Por que o chão está todo molhado?

Ainda meio zonzo e completamente sem graça, o menino pensou um pouco e respondeu:

– Foi a vaca, mãe, que fez xixi.

A mãe riu da explicação do garoto e nunca mais tocou no assunto. "


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